quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Montanha do abismo subestimado

Magoma fica entre duas grandes montanhas. A vila de Makangara, vila central de Magoma, é um pequeno aglomerado de casas circundado por plantações de milho (longe do rio, à esquerda da estrada) e arroz (perto do rio, à direita da estrada).
Desde a primeira semana, Kristina e eu pensamos em escalar as montanhas.

A montanha menos alta (não dá pra dizer que é baixa) fica atrás da nossa casa. São três montanhas, como um camelo de três corcovas (eu sei que não existe, só estou imaginando) em crescente, da montanha mais baixa à mais alta.
Combinamos escalar esta montanha assim que todas as sementes fossem plantadas e assim seguimos ontem, 5h30 da matina, com uma garrafa de água cada e um pequeno pacote de tâmaras que Mzee Malingumu nos deu de presente: "No meio de uma longa jornada você só precisa de uma ou duas tâmaras e está alimentado, tudo fica bem".

A primeira montanha era íngreme, mas possível. Chegamos ao pico e nos enchemos de coragem pra continuar a caminhada. "Não podemos estar tão longe" dissemos uma à outra.

*Minha analogia à primeira montanha é a busca dos parceiros ideais para montar o projeto conosco. O início de tudo e a base para todas as decisões que se seguiram.

Momento mais engraçado do dia: sentamos em uma pedra, ainda antes do pico da primeira montanha, sem ar, pra admirar a paisagem (ok, pra descansar também, mas a paisagem era mesmo linda). Só nos esquecemos de um detalhe: em Magoma você nunca está sozinho, por que ali seria diferente?
De repente surge uma Bibi (vovó) por uma pequena trilha, apoiando em um pedaço de madeira e carregando um machado equilibrado na cabeça. Bibi, vendo as wazungu (brancas), disse: vocês têm que subir ao topo, dá pra tirar umas boas fotos lá!
Assistimos Bibi continuar sua caminhada montanha acima enquanto recuperávamos o fôlego. Seu desejo é uma ordem, Bibi, estamos a caminho!

Em algum momento perdemos a trilha (quem roubou as placas de "2º pico, à esquerda" ou "Welcoming-cocktail para hóspedes do resort à direita"?). Os caminhos não passavam de tortuosos rastros que indicavam que alguém (ou alguma coisa) passara por ali algum dia, cercados por árvores de espinhos afiados (por que as plantas aqui são sempre tão dolorosas?).
Fomos encontrando espaço no meio dos espinhos e arbustos, até que olhamos para a esquerda assustadas. Kristina disse "Holy shit!". O abismo estava bem ali, a alguns passos de nossas perninhas cansadas, como não vimos isso chegando?
Fomos subindo lentamente, com todo o cuidado para não cair, a cada três passos uma dizendo à outra "Não caia!". Os pés tentando achar onde apoiar e o corpo se escorando nas poucas árvores para respirar.

Após algum (longo) tempo nos vimos em um trecho um pouco mais plano e conseguimos nos localizar melhor. O pico da segunda montanha estava sob nossos pés ganhando o contorno da terceira montanha, a mais alta e nosso objetivo final.

*A segunda montanha foi nosso modelo de negócio, subindo sempre com um abismo logo abaixo caso fizéssemos alguma besteira. As terras que estamos trabalhando, a decisão sobre o que plantar, a preocupação em criar um modelo replicável para outros membros da comunidade.

A terceira montanha logo à frente (melhor dizer acima), só nos restava caminhar. E sobe, sobe, sobe, pernocas tremendo com o esforço. Quando alcançamos o topo fomos brindadas pela vista mais linda: Magoma pequeninha lá embaixo, as plantações de arroz, as duas Acácias (árvores) na chegada da vila. À distância foi possível ver todos os três lagos da região, incluindo Lago Kumba, muitos quilômetros longe.
O sol apareceu para iluminar o penhasco e nos dar um bronzeado (meio esquisito, marcas de calça arregaçada no joelho e múltiplas blusas).
Kristina olha pra mim e diz "Eu realmente subestimei esta". Olhamos o relógio e constatamos as 5 horas de subida para chegar ali.

Presenteei-me com a rebeldia de usar a parte de cima do biquíni por alguns minutos (saias acima do tornozelo são muito curtas para Magoma).

Algum tempo passou até eu olhar ladeira abaixo e constatar movimento. "Será que tem alguém ali?" penso. Ajusto o foco, olho melhor: uma família inteira de macacos! Kristina e eu, que sempre debochamos dos abrigos no meio da plantação de sisal para espantar macacos comedores de folhas, nos vimos 12 vezes erradas. Em Magoma nunca se está só...

*A terceira montanha, a concretização da idéia: o horizonte de sonhos à frente e o trabalho duro pra plantar esses sonhos nas sementes de melancia. Montanha escalada, sementes na terra.

Pensam que acabou? Que nada, essa era a montanha menos alta, lembram? A montanha mais alta ainda nos observa do outro lado, esperando a colheita e os resultados (e os inevitáveis ajustes que teremos que fazer).

As duas garrafas d água nos deixaram com sede, mas Mzee Malingumu estava certo: algumas tâmaras e você não precisa de mais nada, tudo fica bem.
A descida foi ao pôr-do-sol, por uma trilha mais distante do penhasco. 2 horas de caminhada e nossa linda Magoma nos esperando com seu chão vermelho craquelado.

Pp. cliquem aqui para ver as fotos da subida da montanha e da nossa linda fazenda de melancias.

Um comentário:

  1. Que lindas fotos, Ana! Lugar maravilhoso, com certeza valeu à pena todo o esforço!! Sem comentários sobre vcs sem fôlego e a Bibi no maior pique... Beijos

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