Se eu não tivesse vivido um único bom dia aqui em Magoma, esses dias teriam feito tudo valer à pena.
Semana passada fomos plantar melancias – concretizar o projeto que batalhamos tanto para montar.
O grupo de estudantes variou entre 25 e 80, coordenados por Mwalimu Mkuu com ajuda de Mzee Francis e Mr. Bodo.
As aulas na Tanzânia acontecem da maneira mais impessoal possível, o professor escrevendo na lousa para um grupo de (muitos) alunos que podem ser punidos com tapas quando respondem as perguntas incorretamente. Não há interação, não há troca.
Na fazenda tudo foi diferente. Vimos os alunos fazendo perguntas e sugestões a Mwalimu Mkuu, se divertindo, trabalhando duro das 7h30 às 16h00.
O ritmo de aprendizado acertou o passo com o ritmo de trabalho. No início nos movimentávamos vagarosamente, irrigando os canais e montando os jardins. Conforme os alunos foram aprendendo o trabalho foi ganhando velocidade. Em um momento no meio da tarde atingimos o ponto em que todos os adultos estavam descansando enquanto os alunos faziam o trabalho (com eficiência) sozinhos.
Claro que nem tudo foi perfeito. A divisão de tarefas entre meninos e meninas carrega toda a desigualdade entre sexos que vivenciamos cotidianamente em Magoma. As meninas foram, nos dois dias que passamos com a enxada na mão, as primeiras a deixar a área. Isso me entristece porque meninas precisam trabalhar duas vezes mais pesado para ter algum controle sobre suas próprias vidas – eu queria tê-las ali, cheias de vida e fome de conhecimento.
Para os meninos que ficaram até o final compramos sorvete (gelinho, vendido pela esposa do Mr. Bodo). Utopicamente pedimos que as embalagens do gelinho não fossem jogadas no chão da fazenda – na Tanzânia se joga lixo exatamente no lugar em que o lixo é gerado, da janela do ônibus, andando na rua, na porta de casa, onde você estiver. Qual não foi minha surpresa quando cada um dos estudantes trouxe seu saquinho de sorvete para mim e o colocou no saquinho de lixo que eu estava segurando.
Sou ingênua? Sim.
Sou sonhadora? Sim.
Cada saquinho plástico que recebi, incluindo o saquinho de sorvete do Miga (agricultor que, nas palavras de Mwalimu Mkuu, trabalha pesado e foi chamado para ajudar os estudantes no trabalho), foi uma gota transbordando no nosso oceano de sonhos.
Enquanto plantávamos, ensinei um pouco de Português aos estudantes, que retribuíram me ensinando Kisamba (língua local). Ouvir "água", "melancia" e "boa tarde" me proporcionou conforto e felicidade. Mostrar cartões postais de São Paulo e saber que agora um pequeno grupo de pessoas que mora longe longe longe, em Magoma, sabe onde fica o Brasil e que falamos Português? Não tem preço!
acho td tão inspirador...que bom que as pessoas estão começando a sonhar em Magoma. especialmente as crianças. aquela velha vontade de poder estar aí tb...mesmo que fosse pra brincar de bolinhas de sabão. vc precisa escrever um livro.
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