segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Sem água no céu, com água nos olhos

A shamba (sítio) tem me proporcionado os melhores momentos. Estar ali com os estudantes, enxada na mão, trabalhando sob o sol e vendo a maneira como eles trabalham, aprendem e interagem me enche de orgulho pelo projeto que montamos. O vento bate no fim da tarde para refrescar e renova o suor e o espírito (dias cada vez mais quentes por aqui). Aliás, o vento é essencial em Magoma – Kristina sempre diz que estamos no caldeirão do 2Seeds, no centro de um vale e (muito) aquecidas pelo sol.
A revelação entre os estudantes é um garoto da 5ª série, Luka. Se eu fosse uma menina estaria apaixonada por ele. O garoto opera a bomba de irrigação, trabalha o dia todo com um sorriso no rosto e ajuda os colegas a fazerem um bom trabalho.

A irrigação funciona da seguinte forma: um tubo de aproximadamente 2 metros leva água do rio à bomba de irrigação. A bomba impulsiona a água através de mangueiras de 200 metros de comprimento. Movimentamos esses canos pelos canais, abrindo e fechando com terra a entrada de cada jardim, para garantir que a água chegue a todas as sementes (acho que fica mais claro vendo as fotos, clique aqui para ter uma idéia).
E quem faz tudo isso são os estudantes, meninos e meninas da 4ª a 6ª série.

Sem água no céu, com água nos olhos

Quando trabalhamos o dia todo cozinhamos almoço na terra, debaixo de uma grande árvore que está fortuitamente localizada no centro da plantação. Às vezes comemos ugali (comida nacional, uma pasta de milho que normalmente é comida com verdura ou peixinhos MUITO pequenos). Semana passada o almoço foi makande (milho cozido com feijão).
Fico impressionada vendo os meninos bebendo 10 (!) copos de udi (mingau de milho com água e açúcar) e comendo 3 pratos gigantescos de makande. Comem como adolescentes, ainda que não passem de crianças.

Uma cena que nunca vou esquecer aconteceu ao final da tarde. Eram 16h00 quando terminamos o trabalho, começamos 7h30.
Pude notar sorrisos nos meninos, daqueles que só vemos quando eles estão aprontando alguma coisa (meus anos trabalhando em acampamento me permitem reconhecer os sinais).

Um saco plástico preto passa de mão em mão. Uma tampa azul de balde é trazida para a cena. Vejo os meninos virando o saco na tampa. O que é isso? Makande...
Os meninos guardaram o makande que sobrou do almoço no saco plástico preto, que havia sido usado para levar cinzas de espiga milho que espalhamos junto com as sementes para espantar formigas. E os 20 meninos, depois de 10 horas trabalhando sem parar, comeram a mistura de milho, feijão e cinzas como se fosse sorvete de chocolate (supondo que eles soubessem que sorvete de chocolate existe).

Mzee Francis olhou para mim e disse: muitos deles não encontram jantar quando chegam em casa. E minhas lágrimas tiveram que ser escondidas com alguns passos em direção às plantinhas mais próximas.

A chuva, que deveria ter vindo em setembro, não nos refrescou até agora. Muita gente acha que não teremos chuva este ano.
A bomba de irrigação ajuda as plantinhas, que em breve serão redondas melancias, a sobreviver. E minhas lágrimas salgadas trazem mais algumas gotas de água para a cena, que me lembra porque estou vivendo tão longe das pessoas que amo.

Um comentário:

  1. Ana, que lindo texto! Você consegue nos transmitir toda a emoção que está sentindo. Vontade de mandar 100 litros de sorvete de chocolate pra essa criançada!! Beijo e fique bem.

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