Uma das batalhas que temos enfrentado em Magoma é a divisão entre homens e mulheres, meninos e meninas. Muitas tarefas são identificadas como femininas ou masculinas e não é fácil quebrar este paradigma.
Temos as meninas trabalhando na shamba (sítio), mas naturalmente elas se dedicam a cozinhar (nada fácil, panelas gigantescas aquecidas a lenha), buscar água (implica andar muitos metros, às vezes quilômetros, equilibrando pesados baldes na cabeça) e buscar lenha (escalar a montanha para achar madeira e trazê-la de volta na cabeça).
Os garotos operam a bomba de irrigação, abrem e fecham as entradas dos jardins e aprendem mais, já que as meninas executam as mesmas tarefas que executam em casa. Indo além, os meninos se divertem mais.
Kristina e eu somos mulheres, impossível não buscarmos igualdade entre gêneros. Nosso status de mzungu nos permite (e obriga) a fazer coisas indisponíveis para outras mulheres. Um bom exemplo:
Certo domingo houve uma grande mobilização da comunidade pela Crisma de diversas crianças. Estávamos na missa quando fomos informadas, junto com todos os presentes, que jantaríamos com o arcebispo de Dar es Salaam, a caminho de Magoma para celebrar o evento.
O jantar foi curioso, para dizer o mínimo. O padre decorou sua casa cobrindo todas as paredes com tecidos coloridos e preparou comida para o arcebispo, sua comitiva, os senhores da igreja e nós – éramos Kristina, eu e 16 senhores na sala. O arcebispo fala algumas palavras de português e conhece Traverse City, a pequena cidade no Michigan de onde Kristina vem - o que nos fez muito felizes, mas não tira o inusitado da situação.
Pressionamos todo o tempo para ter meninas na irrigação e nos treinamentos, mas confesso que a participação das meninas ainda não me satisfez – lidar com a divisão de gêneros é um desafio constante. É frustrante não vê-las cheias de energia e com fome de conhecimento, como vemos os meninos. Mulheres em Magoma trabalham pesado e nos perguntamos todo o tempo quando meninas se tornam mulheres. Mais do que isso, temos a consciência de que para ter um mínimo de independência e segurança cada uma dessas meninas terá que trabalhar muito mais do que qualquer homem para conquistar seu espaço.
Pessoalmente acho divertido cutucar os conceitos e observar a reação de nossos parceiros a sugestões como: devemos ter um dia invertido na shamba, com meninos cozinhando e meninas irrigando. A verdade é que este tipo de sugestão jamais surgiria dentro da comunidade de Magoma e de certa forma cabe a nós chacoalhar os valores. Somos mulheres, somos estrangeiras, conhecemos outras realidades. E por mais que sejamos hoje parte desta comunidade não podemos limitar nossos pensamentos ao que vivemos aqui ou estaríamos fugindo de nossa responsabilidade.
Duas sementes plantadas juntas, nossa cultura e a cultura tanzaniana, devem gerar uma plantinha híbrida, com novas possibilidades a sua frente. Que sejam novas possibilidades para meninos e meninas.
Pp.: As meninas fizeram um excelente trabalho hoje de manhã, ajudando na irrigação e plantando sementinhas. Não posso dizer que foi perfeito, mas foi um bom começo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário