terça-feira, 24 de dezembro de 2013

2013 - um ano de realizações

2013 se encerra esta semana e nada mais justo do que fazer um balanço deste ano que foi tão importante para nosso trabalho aqui na Tanzânia enquanto nos preparamos para receber 2014.

2013 foi um ano de muitas realizações, o ano em que nosso trabalho tomou forma e ganhou cores e em que todos os envolvidos se complementaram para que alcancemos a tão sonhada Maisha Bora. Algumas de nossas pequenas vitórias:

  • O Projeto Bungu se consolidou com um ambicioso plano financeiro: pagamentos individuais mensais de pelo menos TZS15.000 (~US$9,5) que cobrem os custos de produção contínua e formam uma poupança para o grupo, que será responsável por se gerenciar financeiramente a partir de setembro de 2014;
  • O Projeto Kwakiliga, depois de 3 anos de seca e fome, iniciou e consolidou a criação de galinhas e formou uma poupança de mais de TZS1.000.000 (~US$625) que pagará parcialmente um novo ciclo de produção de ovos com a compra de 300 novas galinhas em janeiro. Coleta de água da chuva, irrigação por gotejamento e reflorestamento seguem firmes e fortes ao redor dos galinheiros;
  • O Projeto Tabora consolidou a sua produção com entregas rotineiras de pacotes de batatas fritas às lojas de Korogwe, além de expandir sua linha de produtos com amendoim doce, pipoca doce e frutas secas. As mulheres de Tabora também construíram um fogão de barro para reduzir o consumo de lenha;
  • O Projeto Lutindi fez uma grande venda de repolhos e pimentões no Kariakoo Market, o maior mercado da Tanzânia, e os agricultores focaram no pagamento de seus empréstimos para que evitemos dependência financeira;
  • O Projeto Masoko colocou o sistema de coleta e disseminação de preços no mercado Kariakoo em funcionamento e toda a operação tem sido seguida de forma extremamente eficiente pelos funcionários do mercado, incluindo um ambicioso plano de expansão para os próximos 6 anos e o mapeamento de todos os vendedores de frutas e vegetais;
  • O Projeto Kijungumoto focou em educação prática e garantiu que os agricultores tenham acesso às melhores práticas de gestão de negócios para que oportunidades surjam de suas pequenas hortas individuais;
  • O Projeto Bombo Majimoto ajustou seu ciclo de produção para melhor uso de dois de seus maiores recursos: acesso constante a água e bombas de irrigação. Os agricultores focaram em reduzir seus débitos para que em 2014 um novo ciclo de produção se inicie;
  • O Projeto Magoma, sempre minha casa, focou em integração de disciplinas e em permitir que diferentes parceiros foquem em suas áreas de expertise. Um grupo de pais se uniu ao projeto, a aprovação dos alunos nos exames nacionais (ao fim da sétima série) subiu de 21% para 98,6% em Kwata e os estudantes comeram no mínimo duas vezes por semana em ambas as escolas. Kwata e Kijango fecham o ano com dinheiro em caixa para cobrir os custos das refeições na escola até maio.
Pensando na organização como um todo e em todas as coisas que fazemos para fortalecer o network:
  • Nosso treinamento em negócios e empreendedorismo está arrasando e nossos parceiros estão prontos para se autodefinir pessoas de negócios;
  • O TZ Advisory Council, conselho formado por um parceiro de cada projeto, se mostrou pronto para exercer liderança de base e para engajar com a liderança dos EUA;
  • A capacitação profissional de nossos parceiros baseada em seu potencial para cada projeto está indo muito bem e construindo liderança baseada em mérito.
Assim fecha-se o ano de 2013, nos deixando aqui com desejo de quero mais, de conquistar Maisha Bora. Que venha 2014 com novas oportunidades para deixar a fome pra trás!





segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Destino: Maisha Bora

Trabalhando com agricultores de subsistência aqui na Tanzânia existe uma grande necessidade de tradução de conceitos - em idioma e cultura. Swahili, Kisambaa, Kizigua, Inglês, Português - as línguas de misturam, os pensamentos se confundem, as frases se formam em ziguezague. Assim, uma das ferramentas que uso para me fazer entender e para garantir que todos se entendam é a criação de analogias, que surgem em minha cabeça espontaneamente durante reuniões e conversas e divertem a mim, a PCs a aos parceiros Tanzanianos.

Minha analogia preferida começou a se formar em 2011 e foi crescendo, ganhando detalhes e se tornando a tradução do que fazemos aqui, dos objetivos de todos os membros da nossa rede, da nossa integração. Antes que eu possa explicá-la, preciso que o significado de Maisha Bora seja entendido. Maisha Bora, em Swahili, traduz literalmente como "Vida Qualidade". Maisha é a vida no sentido de dia-a-dia, a vida que vivemos e Ubora é o substantivo para qualidade, sendo Bora o adjetivo usado para descrever a alta qualidade de um produto ou de uma ação, tanto de forma absoluta, quanto em comparação a outros. Por exemplo: Um garçom chega à mesa e oferece três marcas de água. Ao escolher, o freguês pede água Kilimanjaro e diz "Ni bora zaidi" (é mais qualidade). Outro exemplo seria Kilimo Bora - Agricultura Especializada - o termo usado para agricultura com sementes tratadas e técnicas apuradas.

Destino: Maisha Bora

Nós, membros da rede da 2Seeds, estamos todos batalhando juntos para chegar a Maisha Bora. No momento em que nos tornamos membros da rede, do network, entramos no ônibus e iniciamos viagem. Trata-se de um ônibus Tanzaniano, como Burudani (minha companhia favorita de ônibus, que me leva a Magoma e a Kwakiliga), então não há limite de passageiros - sempre cabe mais um. A viagem não será fácil: a estrada é esburacada e longa, o ônibus precisa de manutenção e os passageiros vão precisar desatolá-lo ou comer poeira em alguns trechos (em minha cabeça é um ônibus Flintstones, e são nossas pernas que o fazem mover, mas ninguém aqui os conhece).

Para que possamos viajar é preciso que concordemos e planejemos o caminho a seguir (aqui entra gerenciamento de projetos e planejamento). Há muitos caminhos levando ao destino porém se cada passageiro tentar ir em uma direção ficaremos estagnados discutindo ao invés de mover-nos. E como em qualquer viagem, precisamos de um plano e de um mapa, para que chequemos no caminho se estamos na direção certa ou se precisamos acelerar (aqui entram metas e medição de resultados).

Quando novos parceiros são adicionados aos grupos ou novos coordenadores de projetos chegam à Tanzânia, eles chegam ao ponto de ônibus, mas como estamos na Tanzânia e não queremos perder velocidade, o ônibus reduz a velocidade mas não pára e temos que estender os braços para fora para ajudá-los a subir (aqui entram os períodos de transição com a troca anual de coordenadores de projeto e a necessidade de ajudá-los ativamente a entender os projetos e se acostumar ao ambiente).

Maisha ni safari ndefu (a vida é uma longa viagem). Por isso precisamos nos revezar ao volante e todos precisam aprender a dirigir o ônibus (aqui entra liderança distribuída). E como a viagem é comprida e ao chegarmos ao destino queremos nos estabelecer, é preciso que adquiramos no caminho um estoque de comida e bens, como as laranjas que são vendidas à janela do ônibus (aqui entram os conceitos-chave ensinados nos treinamentos e a necessidade de melhorarmos nossa capacidade e conhecimento).


Essa analogia simples e divertida é hoje a melhor definição de nosso trabalho como organização. Nós vivemos e trabalhamos com as pessoas que queremos ajudar, desenvolvemos capital humano e aprimoramos a capacidade de todos os envolvidos, encarando a vida como um caminho e as parcerias que formamos como o combustível que nos movimenta. Focamos em resultados, sempre lembrando que os meios importam tanto quanto os fins, e compartilhamos o sonho comum de proporcionar escolhas, para nós e para nossos parceiros.

Bem-vindos à estrada!


Colleen, Coordenadora de Projeto Senior, relembrando nossa metodologia em Tabora (thetaboraproject.wordpress.com).

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

O noivado de Maria

Algumas semanas atrás fui a meu primeiro noivado na Tanzânia. Noivados não são muito comuns e são uma coisa de família, como um acordo. Por isso (e por não saber nem que ela estava pensando em casamento) fiquei surpresa quando Maria, minha amiga tanzaniana com quem dividi a casa em Magoma em 2010, me convidou para seu noivado.

A festa foi em Handeni, duas horas distante de Korogwe, e lá fui eu com minha saia de festa em um domingo de muito sol. Handeni é um pedaço de caatinga, planície sem fim e sem água povoada por tribos nômades, que esbanja sol e calor.

Cheguei sem saber muito bem o que esperar e fui recebida por uma família sorridente que conheci em outubro de 2010 durante um funeral de 7 dias de que participei para apoiar Maria – até hoje tenho meu vestido branco com a “estampa da família” que fizeram para mim no funeral. Naquela época eu mal falava Swahili e fiquei muito próxima à família através de mímica e sorrisos. Foi bom vê-los novamente agora que posso entender o que é dito à minha volta.

Esperamos ali pelo noivado, Maria no quarto se arrumando e os convidados espalhados pela casa. De repente chegou a família do noivo, sem o noivo, dançando e carregando presentes como trazendo presentes para o rei. Apresentaram-se todos os membros importantes de cada família (inclusive eu), o que totalizou umas 50 pessoas. Daí em diante eu não sabia o que esperar, então observei.

Os homens mais velhos/importantes de ambas as famílias começaram e conversar e eu pude perceber que havia algum desentendimento acontecendo. Quando eles pediram licença do salão e foram discutir privadamente, eu me atualizei sobre os fatos: na Tanzânia, a família do noivo paga o dote à família da noiva para que o noivado aconteça. A família de Maria pediu TZS500,000 (cerca de US$313), mas a família do noivo não trouxe o valor total (ai que bafão!).

Comecei a olhar com um pouco de desdém para a família do noivo que estava barganhando o “preço” da minha amiga (que eu achei uma barganha, ora veja) e busquei na expressão das pessoas a resposta para aquela situação: isso acontece sempre ou é deselegante? É parte do processo?
Como eu estava sentada com a mãe e tias da noiva, começamos a debater, as surpresas indo de um campo a outro como em um jogo de vôlei-cego:

Eu perguntei a elas o que aconteceria se o noivo não pagasse e elas disseram que ele pagaria. Aí perguntei como seria se duas pessoas se gostassem e a família do noivo não tivesse dinheiro, elas disseram que o casamento aconteceria sem pagamento, mas que a noiva estaria fazendo uma escolha arriscada já que o casal não teria condições de se manter no futuro. Elas me perguntaram qual é o valor do dote no Brasil e eu disse que não temos dote (choque). Eu perguntei o que acontecia quando os casais se separavam e elas se espantaram e devolveram a pergunta pedindo detalhes sobre divórcio no Brasil. Aí eu entrei no assunto de famílias formadas por filhos de diversos casamentos e elas não puderam esconder sua indignação “quer dizer que você se separa de um homem e tem filho com outro?!” (não que aqui na Tanzânia as pessoas não tenham filhos fora do casamento). E assim a conversa foi, o choque cultural nos fazendo rir pela realização constante de que tudo é uma questão de perspectiva.

Depois de meia-hora os homens voltaram ao salão e decidiram continuar com a festa. Assim a família do noivo foi buscá-lo (ele estava no carro durante todo o tempo) e o trouxeram com música, mais presentes, mais dança e os tradicionais gritos tanzanianos, que fazemos batendo a língua no céu da boca. Então foi a vez de Maria aparecer, toda bonita e tímida, e assim se deu o pedido e o noivo colocou a aliança de compromisso no dedo da minha amiga.

Aqui festas sempre acabam com comida e a noiva foi a primeira a se servir para ser imediatamente retirada do salão, de volta a seu quarto – a família da noiva gritou para todos que ela não sairia do quarto até o fim fazendo piada com o fato de o noivo ainda não ter pago o dote – o bom-humor tanzaniano...

Meu status de amiga da noiva (e celebridade na Tanzânia) me permitiu tirar uma foto com o casal, no cantinho da casa, e algumas fotos dos dois juntos. Maria estava contente em me mostrar seu HB (handsome boy) e eu fiquei sabendo que as famílias não se conheciam até aquele momento – a mãe da noiva nunca havia encontrado  o futuro genro até aquele momento.

Ao final fui perguntar quais seriam os próximos passos e descobri que a família do noivo havia concordado em trazer o restante do dote em duas semanas. A família da noiva, claro, tinha um pouco de sarcasmo em seus comentários, dizendo que a família do noivo deveria ter conversado com eles antes da festa, para que aquela situação fosse evitada. E eu me dividia entre rir de toda a situação e pensar com meus botões que minha amiga estava muito barata enquanto me reprimia ao perceber que estava aceitando rapidamente demais a ideia do pagamento (se o dote fosse maior tudo bem?!).


A família do noivo deve ter cumprido com seu compromisso já que os preparativos para o casório continuam. O bota-fora da Maria será em dezembro (a família da noiva organiza um bota-fora para ela já que quando ela se casa, ela se junta à família do marido). Recebi meu convite para o bota-fora e tenho que preparar a minha contribuição, que posso mandar por banco-telefônico, uma das maravilhas da vida em um país onde as pessoas não têm conta-bancária.

Vida longa a Maria e Fredy!
 

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Samahani, nimepotea

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Em Swahili dizemos “Umepotea sana!” (você se perdeu muito! = você sumiu!) quando vemos uma pessoa que não víamos há tempos. Hoje passo por aqui para dizer “Samahani, nimepotea” (desculpem, eu me perdi) e para atualizá-los sobre tudo que estamos vivendo aqui na Tanzânia.

Os meses de maio a outubro são os mais malucos para mim já que englobam a transição entre times de coordenadores de projetos. Para não enfraquecer nossos projetos e relacionamentos com parceiros locais, eu sou a principal responsável por garantir que a maioria dos déficits de informação seja preenchida e que o trabalho siga de acordo com o plano. Com isso, os dias têm sido longos e as visitas aos projetos muitas (para minha felicidade; segredo nosso ;).


Assim, agora de volta e com a meta de um post por semana, tenho muito para escrever, tanto em experiências pessoais como profissionais. Para começar vou contar a estória de nosso querido Mzee Rubeni, para quem se lembra do doce solteirão de Kwakiliga, que vivia solitário por não ter uma esposa (http://maquinadedesencalharbaleias.blogspot.com/2013/05/apresentando-mzee-rubeni.html).

A boa notícia é que Mzee Rubeni se casou! Verdade que foi meio que de surpresa, meio que escondido, mas não consigo esconder minha satisfação ao vê-lo chegar às reuniões com camisas floridas e sorriso no rosto, atrasado como quem perde a noção do tempo quando está em casa. Mama Rubeni é uma senhora de uma vila próxima, que tem seis filhas adultas e casadas e por isso também se sentia só – na Tanzânia as mulheres se incorporam à família do marido quando se casam então acabam mais distantes da própria família.

Como o casal se conheceu eu não sei; com medo de uma grande festa, maior que suas posses, Mzee Rubeni manteve segredo sobre o plano até a véspera do casório e eu mesma só pude comparecer à sua casa à noite, quando os convidados já haviam partido.
Confesso que a lembrança de Mzee Rubeni com seu chapeuzinho muçulmano e roupas brancas, dentes faltando no sorriso, e a esposa em roupa de festa, suando com o calor da planície, meio sem saber o nome do vilarejo em que estava, me alegra até hoje.


Fico pensando em que escala a participação de Mzee Rubeni no Projeto Kwakiliga e seu sucesso nas atividades do grupo (como a criação de galinhas), viabilizaram seu casamento. Tenho a sensação de que de alguma forma ele se sentiu mais qualificado para ter uma família por não ter que se preocupar tanto com a fome.

Ontem, tivemos uma reunião em Kwak, na qual o doce Mzee Rubeni levantou a preocupação sobre o destino de sua esposa no caso de sua morte – ele queria saber se ela herdaria seu lugar e poderia continuar com o trabalho do grupo. Brinquei, como sempre, dizendo que membros da 2Seeds não são autorizados a morrer e que nós não aceitaríamos que ele quebrasse este acordo. Entre risadas, tivemos uma discussão em família sobre os caminhos a seguir e o compromisso de ajudarmos uns aos outros.
Vida longa ao casal e às galinhas! (all we need is love!)


Pp. Como estamos na Tanzânia, a honestidade é uma virtude crua. Em pleno casamento (ou tecnicamente no que seria a noite de núpcias) Mzee Rubeni, em frente à Mama Rubeni, se sentiu na obrigação de me explicar que como Mama Mwaka o rejeitou (ele havia sido casado com a sobrinha dela) ele decidiu se casar com outra pessoa, bonita e de pele clara, apontando para Mama Rubeni. Minha pele quase branca ficou vermelha por um segundo, antes de eu me lembrar que estamos na Tanzânia e que Mama Rubeni, a suposta parte ofendida, estava a seu lado sorrindo e agradecendo a Deus pela nova vida. Ah, o charme tanzaniano...




sábado, 18 de maio de 2013

Adeus Mzee Sangoti

Desde que cheguei à Tanzânia fui a muitos funerais. Não sei se por as pessoas morrerem mais aqui ou se pelo fato de em comunidades pequenas cada morte fazer parte da sua estória (provavelmente um pouco de cada). Alguns funerais foram muito tristes, mães deixando filhos pequenos, pais, mães, avós, irmãs, filhas e cunhadas de amigos que amo, mas nunca tive que encarar a despedida de um parceiro e amigo, um dos líderes da 2Seeds, alguém que conheço bem e que esteve ao meu lado nos últimos 3 anos.

Hoje não só eu, mas Bungu, o nosso network e o mundo se despedem de Mzee Sangoti. Mzee Sangoti que nos guiou, comemorou nossas vitórias e nos apoiou nas quedas e com quem eu gostaria de escrever muito mais estórias, de dividir os sucessos futuros de nossos agricultores e de ter mais tempo e mais conversas pra compartilhar.

Mzee Sangoti era um líder em sua comunidade, gerente da cooperativa de chá, líder da igreja, pai de muitos filhos, incluindo um bebê que nasceu no fim do ano e que ele se dividia entre orgulho e surpresa por ter gerado meio que fora do tempo, quando já pensava não ser possível. Mama Sangoti, sua esposa, perde seu suporte e por algum tempo eu sei que perderá seu sorriso alto e barulhento, que eu espero que volte a alegrar as montanhas algum dia.

Mzee Sangoti, eu e todos que te conheceram vamos sentir saudades. Que você encontre agora o paraíso que sempre acreditou existir e para o qual garantiu entrada ao longo da sua vida. Do meu lado eu guardo o que aprendi com você e os pedacinhos seus que vejo a cada dia que subo as montanhas, em cada canto. Hoje além das chuvas, Bungu terá lágrimas...


sexta-feira, 17 de maio de 2013

Quando tudo é possível

Quando mandioca foi comida por cupins nos campos de Kwak e nossa alternativa mais resistente se transformou em cascas ocas que se desintegravam em nossas mãos eu tive que me recompor, olhar em frente e lembrar que em minha oportunidade de trabalhar diretamente com a comunidade de Kwakiliga fracasso não era uma possibilidade. Sim, porque eu vivo em Korogwe (não em Paris) e como ugali com as mãos (não comida baiana) para fazer a diferença, para mudar o mundo, para proporcionar alternativas a quem não as tem.

Ontem eu visitei Kwak e ouvi Mzee Mcharo falar de sua vergonha a cada encontro que fazíamos em Korogwe, quando todos os projetos tinham algo para mostrar enquanto Kwakiliga era só fome, seca e lamento. Foram três anos de reuniões, três anos de lamento.

Ontem eu também ouvi, não apenas de Mzee Mcharo, mas também de Mzee Adamu, estórias sobre pessoas indo visitar Kwakiliga para ver os galinheiros e a "mudança climática" que estamos promovendo com o sistema integrado e a floresta que estamos plantando.

Ontem eu os ouvi sonhar em voz alta e viver seus sonhos.

Nossos três galinheiros agora têm verduras, frutas e legumes plantados a seus redores cercados com bambu e arame - provavelmente as únicas cercas existentes na vila - para manter as cabras longe dos frutos (galinhas e cabras ganharão as folhas).

Ontem Mzee Mcharo falava de seu orgulho e de como ele mal pode esperar para receber os parceiros dos demais projetos em Kwak e mostrar o trabalho do grupo. Ele me contou uma estória sobre a diferença que o amor faz e como as galinhas vão bem pelo carinho que eles têm por elas.
Ontem Mzee Adamu falava de como sua casa é agora um exemplo para toda a Tanzânia e de como sua terra, na área mais maltratada e menos verde de Kwak, vai ser diferente.
Ontem Mama Mwaka ouviu que está trabalhando demais, que ela não precisa ir cuidar das galinhas todos os dias antes da 6 da manhã, mas que ela está arrasando.
Ontem Mzee Rubeni fazia cafuné na cabeça das galinhas e emendava dizendo que eles vão construir os poleiros para produção dos ovos com as próprias mãos já que eu trazendo o design eles podem construir qualquer coisa (algum dia eles vão desenvolver o design também).
Ontem Mama Halima falava de como as galinhas seguem nossas vozes por sentirem nosso amor e quererem estar perto da gente.
Ontem nós começamos a planejar um sistema de colheita de água, de baixo custo e feito com materiais locais, para que o verde em Kwak não varie com as chuvas (um objetivo antigo que não imaginávamos concretizar em muitos anos).

Fica difícil explicar as razões pelas quais viver tudo isso é especial. Ver o reverso do lugar comum em que tudo dá errado e viver um momento em que tudo dá certo aqui na Tanzânia é muito raro, dá até um certo medo de celebrar demais. Claro que temos desafios à frente, mas neste momento eu digo sem medo que estamos criando uma realidade em Kwak onde problemas podem ser resolvidos e pessoas os resolvem. Pela primeira vez, problemas são apenas isso, problemas, destinados a ter soluções.

É mágico ver tantas vidas ganhando significado, especialmente quando a sua é uma delas.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Apresentando: Família Hussani




O galinheiro número 3 é mantido por uma família: Mama Halima, Aziza e Kilango.

Mama Halima (foto #1) é a secretária do nosso grupo, mulher de língua afiada que tem sempre uma atitude desafiadora e não engole sapos, estando certa ou errada. Ela não baixa a cabeça para os homens do grupo ou para os coordenadores de projeto e é uma mulher honesta, inteligente e que serve como referência para resolver todo tipo de questões comunitárias.
Mama Halima não tem uma vida fácil sustentando sua família (ela se separou do marido há muitos anos), incluindo uma filha com sérios problemas de saúde que apesar de não ter capacidade de tomar decisões independentes ou de se locomover sozinha está grávida pela segunda vez.

Minha qualidade preferida em Mama Halima é sua capacidade de fazer a mais sisuda criatura gargalhar incontrolavelmente - quando ela está de bom-humor.


Aziza (foto #2) é filha de Mama Halima e casada com Kilango, homem bastante influente na vila e que tem outras três esposas. Aziza é forte, espirituosa e divertida, mas não muito constante em seu trabalho com o grupo. Ela tem duas filhas e um filho com Kilango (foto #4).

Como tem filhos pequenos e passa bastante tempo em casa, Aziza tem papel fundamental em cuidar do galinheiro que fica em seu quintal.


Kilango (foto #3) é um muçulmano influente que muitas vezes chamamos de sheik não sei se porque ele é mesmo um sheik ou se só para provocar. Kilango tem um grande plot de terras em Kwak e normalmente colhe uma quantidade sigificativa de milho, sendo um dos poucos agricultores que utilizam um trator para preparar a terra. Entretanto trator não faz chover e por isso (além do fato de ter muitas bocas para alimentar) Kilango encarou um período bem difícil de fome este ano, sem ter como  alimentar suas famílias.

A barriga charmosa de Kilango mostra que ele não trabalha tanto com a enxada, mas sua curiosidade e vontade de aprender e saber sobre tudo tornam Kilango um parceiro super divertido e polêmico. Dois de seus mais recentes temas favoritos para discussão são o imperialismo norte-americano e o casamento gay. E por incrível que possa parecer ele tem mente aberta e bons argumentos para ambos os temas. Nunca vou esquecer a expressão de Kilango no dia em que contei a ele que temos indígenas no Brasil que vivem sem roupa :)

domingo, 12 de maio de 2013

Apresentando: Raimond



Raimond é o espírito jovem do nosso grupo. Um homem bonito pelo qual nossas coordenadoras de projeto sempre suspiram e que liderou do telhado a construção dos galinheiros.

Raimond é casado com Mama Godi e tem dois filhos, Godi (motivo pelo qual Blandina é chamada Mama Godi) e Justine. O jovem casal cozinha junto e incrementa sua receita com um mgahawa, restaurante local em frente à sua casa, desde que a fome apertou e as lavouras secaram.

O novo sonho de Raimond é ganhar dinheiro suficiente com a venda de ovos para construir um cercado para sua casa, no estilo dos nossos galinheiros, e manter suas galinhas locais, patos e cabras protegidos.

Raimond fez meus dias mais felizes ao construir os galinheiros vestindo uma camisa do Brasil. Isto e um dia de chuva, em que eu cantava e dançava sob os pingos, fez com que terminássemos os galinheiros ao som de samba - e já planejamos comemorar os omeletes com muita música brasileira.

sábado, 11 de maio de 2013

Apresentando: Mama Gila




Mama Gila: mulher engraçada que é dona de um dos botecos locais. Mama Gila vende pombe, cachaça tanzaniana, tanto em teor alcoólico normal (forte) como a extra forte (puro álcool), que é proibida por lei por causar intoxicação. Seu bar lhe garante sustento enquanto ela cuida dos netos – as meninas têm filhos bem cedo por aqui.

Mama Gila é a tesoureira do grupo, responsável por tomar conta do dinheiro e dos equipamentos. Habituada a lidar com dinheiro e homens bébados ela não tem medo de dizer não e mantém os bens do grupo seguros e organizados.

No dia da foto, Mama Gila surgiu com um pano cobrindo a cabeça, mais baixo na testa que o normal. Quando perguntei o que havia acontecido ouvi que ela tinha caído, para mais tarde descobrir que Baba Gila, seu marido, havia batido nela.
Violência doméstica não é cotidiana por aqui e essa constatação me fez tristemente passar a cumprimentar Baba Gila com frieza.

Mama Gila é a pessoa mais rápida que já vi fazendo chapati! (uma espécie de panqueca de farinha, água e fermento).

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Apresentando: Mama Mwaka




Mama Mwaka: a pessoa que eu queria casar com Mzee Rubeni é uma mulher forte que carrega árvores na cabeça e deixa todos os homens boquiabertos com o tamanho de seus braços e as garras que são seus pés. No entanto, quando abre o sorriso, se torna uma mãe doce que cuida de si mesma e que honra seus compromissos sem nunca deixar de ser carinhosa.

Mama Mwaka vive na menor de todas as casas do grupo, um quarto e cozinha de pau-a-pique que fica recuada da estrada e tem uma árvore onde deitamos à sombra para descansar dos dias de trabalho e para comer nossas refeições com as mãos.
No auge da fome em Kwak, em janeiro deste ano, Mama Mwaka cozinhou por vários dias para o Sam, para nossos coordenadores de projeto e para mim. O acordo era que eu pagaria pela comida, mas quando o momento chegou vi uma Mama Mwaka brava, que se recusou a aceitar o meu dinheiro e disse que eu era sua família e família não paga para comer em sua casa – e não adiantou argumentar que a “família” havia trazido 14 outras bocas para seu tapete.

Mama Mwaka dizia no começo que comida para ela era ugali (pasta de milho com água, tradicional da região) e me fez muito feliz quando finalmente passou a ter sua boca salivando com a perspectiva de omeletes.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Apresentando: Mzee Adamu



Mzee Adamu: os dentes que lhe faltam na boca lhe dão um olhar sisudo que dura apenas até ele abrir o sorriso e se encher de orgulho de seu galinheiro, de sua horta e da futura floresta que está crescendo em seu quintal.

Mzee Adamu é bravo, ninguém mexe com ele, e vindo das montanhas de Lushoto entende um pouco de cultivo de vegetais – mais de uma vez eu comprei suas berinjelas. E sonha em ver uma Kwakiliga verde, cheia de árvores, então cuida de cada mudinha ao redor de sua casa.

Mzee Adamu tem cabras muito bem cuidadas e é bem jeitoso em carpintaria. Ele e sua esposa, Mama Adamu, guardam os segredos da tradicional culinária sambaa (sua tribo) e mesmo em períodos de fome têm frutas e vegetais secos escondidos em algum lugar dentro de casa.
Mama Adamu cozinha a melhor bada da região (pasta de mandioca com água).

Há dias que eu não sei o que estou fazendo aqui. Hoje não é um deles!

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Depois de 15 dias sem supervisão logo após receberem as primeiras galinhas, nossos parceiros em Kwakiliga provaram que estavam prontos para a responsabilidade:
  • Todas as galinhas sobreviveram e são provavelmente as galinhas mais saudáveis (e felizes!) da região;
  • As 106 mudas de árvores que eu deixei em Kwak antes de viajar foram plantadas e as árvores estão grandes e saudáveis;
  • A comida está sendo administrada corretamente, incluindo o aumento da quantidade conforme as galinhas crescem;
  • Apesar de três galinhas terem ficado doentes, elas foram medicadas imediatamente e separadas das demais e todas se recuperaram plenamente;
  • Ninguém está entrando no galinheiro sem os sapatos corretos - doenças não estão sendo carregadas para dentro;
  • Nosso network está super engajado! Babu, nosso parceiro em Magoma e líder da iniciativa de reflorestamento, plantou as árvores com nossos parceiros em Kwak e tem supervisionado seu crescimento.
As galinhas parecem estar muito felizes com seus playgrounds - cada galinheiro tem uma área onde as galinhas voam, correm e comem insetos e folhas. A coisa mais impressionante para mim hoje foi perceber que as nossas galinhas não têm medo de gente - eu sentei em cada um dos galinheiros e todas as galinhas chegaram perto, curiosas, e bicaram meus dedos.
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Números:
3 galinheiros + 101 galinhas + 6 meses de comida para galinhas + 6 meses de remédios para galinhas + 106 árvores + arroz e feijão para os dias de trabalho + treinamentos = US$3,300 (dos quais já arrecadamos US$1,100).

Meu objetivo é arrecadar R$4.000,00.
Todos os contribuintes receberão, como sempre, atualizações sobre o andamento do projeto e um relatório financeiro explicando como o dinheiro foi gasto. 

Nos ajudem a transformar sonhos em omeletes!


Para contribuir:

Pelo site da 2Seeds é possível contribuir via PayPal ou cartão de crédito:
http://www.2seeds.org/donate/
Não se esqueça de especificar que a doação se destina a Kwakiliga.

Para depósito em conta-corrente continuo usando minha conta pessoal no Brasil e transferindo o dinheiro para a organização (postarei os comprovantes):
Banco Itaú
Agência 0192
C/C 18513-0
Ana Alexandrina Rocha
CPF 115.069.598-65
Não se esqueça de especificar que a doação se destina a Kwakiliga.

terça-feira, 7 de maio de 2013

Apresentando: Mzee Rubeni




Mzee Rubeni: o doce solteirão de Kwak, sempre cavalheiro, sempre romântico, buscando uma mulher que cuide dele e que lhe dê amor. Claro que ele já foi casado, algumas vezes, mas como bom romântico é um belo galanteador.

Mzee Rubeni compra DVDs em Korogwe, filmes de ação e luta, e os exibe em seu vídeo-show, uma TV em sua sala-de-estar, o que lhe garante uma pequena renda mensal e complementa sua aposentadoria (luxo que muito poucos têm na Tanzânia e herança de seu passado trabalhando na indústria de sisal).

Agricultor de coração ele não mede esforços para manter um jardinzinho fora de casa e uma roça (que infelizmente não tem crescido, como mostra a foto do que deveria ser uma plantação de mandioca).

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Apresentando: Mzee Mcharo

Temos parceiros fantásticos em Kwak e esta semana vou me dedicar a escrever um pouco sobre cada um deles, um parceiro por dia =)

Começando com nosso Mwenikiti, o líder do grupo, apresento Mzee Mcharo:




O melhor agricultor da vila, Mzee Mcharo faz sempre tudo certo e tem uma família doce e unida. Sua esposa, Mama Mcharo, começou a vender hafi-keki (Swahili for half-cake, um bolinho quadrado frito, duro, feito de farinha, água e um pouco de açúcar) para trazer renda para a família quando a lavoura secou.

Os Mcharo têm um filho e três filhas. As meninas do meio foram aprovadas em escolas secundárias de qualidade mesmo vindo de uma escola primária que mal tem paredes. A anuidade é cara, mas Mzee Mcharo diz que se elas foram competentes para entrar ele não vai pará-las por falta de dinheiro – e assim a família se espreme para pagar educação.

Mzee Mcharo tenta de tudo, sempre no tempo certo, nunca está atrasado para o cultivo e mesmo assim amargou um período de fome excruciante depois de 3 anos sem chuva. Ainda me lembro da primeira vez que pisei em Kwak, em 2010, quando comemos melancias da horta de Mzee Mcharo (que desde então não viu uma espiga de milho).

Os Mcharo são muito magros, beiram 0% de gordura corporal, mas dividem o pouco que têm e vivem com amor e alegria. O chá de gengibre de Mama Mcharo é imbatível!

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Um oásis no meio do sertão: transformando sonhos em omeletes





Já escrevi bastante sobre Kwakiliga, esta vila de terra vermelha e sem fontes de água que tem pessoas que trabalham cantando mesmo quando estão com fome e que riem da sua sorte para evitar as lágrimas.
Há três anos não chove em Kwak. Há três anos não há colheita.

Em nosso último summit em Korogwe, reunião em que representantes de todos os projetos se reunem para discutir seu progresso e desafios, meus olhos marejaram de orgulho de Kwakiliga: não tínhamos resultados para mostrar, mais uma vez, e os desafios pareciam abismos se abrindo sob nossos pés.
Nossos parceiros resumiram nossa história com uma lista de fracassos agrícolas: milho, lentilha, mais milho, girassol e até mesmo mandioca, a mais resistente das raízes, que sobrevive quase (palavra-chave) sem água.
Quando o salão secou em silêncio e todos se entreolharam tristes, Mama Halima, a secretária do grupo, levantou os olhos e disse: mas nós não desistimos! Vamos criar galinhas!

O que me encanta na 2Seeds é que aqui não temos um projeto de plantar girassol, milho ou lentilha. Nossos projetos carregam os nomes das vilas e a força de nossos parceiros. Kwakiliga é o melhor exemplo de que sucesso e fracasso são conceitos mais complexos do que números de colheita. Enquanto a lavoura morria, ano após ano, o grupo se fortalecia e sua perseverança se apoiava no senso de união.

Desde janeiro vejo os calos e as cicatrizes se multiplicarem no mesmo ritmo em que o brilho dos olhos de nossos parceiros ofusca o cansaço. Começamos a construir nossos galinheiros, inspirados num modelo integrado e sustentável brasileiro (veja post anterior) com nossas próprias mãos.
Há duas semanas os galinheiros completos (e lindos) receberam suas primeiras galinhas. Começamos devagar (34 galinhas no galinheiro #1, 34 galinhas no galinheiro #2 e 33 galinhas no galinheiro #3) para reduzir o risco e o investimento até que nossos parceiros ganhem o conhecimento e a experiência necessários para prosperar. Ao redor dos galinheiro plantamos 106 árvores, uma forma de devolver à terra a madeira que usamos e também de criar uma sombra futura em terra de sol latente. As árvores integram nosso sistema sustentável e nossa esperança é que elas nos ajudem a reabilitar o solo para que comecemos a desenhar o nosso oásis.


Números:
3 galinheiros + 101 galinhas + 6 meses de comida para galinhas + 6 meses de remédios para galinhas + 106 árvores + arroz e feijão para os dias de trabalho + treinamentos = US$3,300 (dos quais já arrecadamos US$1,100).

Meu objetivo é arrecadar R$4.000,00.
Todos os contribuintes receberão, como sempre, atualizações sobre o andamento do projeto e um relatório financeiro explicando como o dinheiro foi gasto. 

Nos ajudem a transformar sonhos em omeletes!


Para contribuir:

Pelo site da 2Seeds é possível contribuir via PayPal ou cartão de crédito:
http://www.2seeds.org/donate/
Não se esqueça de especificar que a doação se destina a Kwakiliga.

Para depósito em conta-corrente continuo usando minha conta pessoal no Brasil e transferindo o dinheiro para a organização (postarei os comprovantes):
Banco Itaú
Agência 0192
C/C 18513-0
Ana Alexandrina Rocha
CPF 115.069.598-65
Não se esqueça de especificar que a doação se destina a Kwakiliga.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Sangue, suor e omeletes

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Nosso grupo de agricultores em Kwakiliga, o mais antigo da 2Seeds, tem sofrido com a seca desde 2010 e viu cada uma de suas temporadas agrícolas falhar: milho, kunde (uma espécie de lentilha), girassol e até mesmo a resistente mandioca. Nossos parceiros se orgulham de sua resiliência na falta de um resultado para ostentar, mas como consequência dos últimos anos estão enfrentando um período assolador de fome.

Desde janeiro, estamos construindo galinheiros em Kwakiliga. Decidimos migrar de agricultura para pecuária na esperança de gerar oportunidades que não sequem nos campos. O modelo dos galinheiros veio do Brasil: PAIS, produção agroecológica integrada sustentável, um sistema que integra a criação de galinhas a agricultura e reflorestamento. Decidimos começar com as galinhas e adaptar o modelo para nossa realidade.

O grupo, de nove famílias, foi dividido em três subgrupos e cada três famílias será responsável por um galinheiro. A construção, no entanto, foi trabalho de equipe, todos trabalhando juntos em cada etapa:
1)   A marcação do terreno, formado por círculos concêntricos e uma área de recreio para as galinhas, transformou os terrenos de Kwakiliga em campos de sonhos, que poderiam facilmente representar a nossa civilização e suas crenças naquele determinado momento. Esta etapa teve a inspiradora colaboração de todos os coordenadores de projeto da 2Seeds;
2)   A colocação das estacas teve que perfurar um solo duro e sem vida, que mesmo em um dia de chuva não permite que a água o penetre 10cm;
3)   O teto foi feito com telhas de alumínio já que o desmatamento garantiu a indisponibilidade de folhas ou palha – uma terra tropical em que não crescem nem ervas daninhas;
4)   O arame forte que circunda os galinheiros fatiou nossos dedos;
5)   A área de recreio foi cercada com um arame mais leve e contínuo já que a preocupação com a segurança das galinhas é menor durante o dia;
6)   A construção dos túneis pelos os quais as galinhas irão do galinheiro para o recreio e voltarão ao galinheiro foi guiada pelo nosso cuidado em criar um ambiente seguro para as aves.

A construção de três galinheiros nos permitiu aprimoramento constante e o resultado pode ser visto no design aperfeiçoado e nos dias que se alongaram conforme nos tornamos mais rápidos. O vínculo emocional entre agricultores e galinheiros, humanos e galinhas, foi fortalecido e com o processo pudemos também fomentar criatividade e inovação dando aos agricultores a chance de aprender para que futuramente eles possam ensinar.



A esperança de sucesso alimenta nossa alma enquanto os dias de trabalho nos dão a oportunidade de compartilhar refeições que aliviam a fome latente. O ugali com feijão nos dá forças, mas apenas sacia temporariamente a fome por resultados. A gente não quer só comida, a gente quer omelete!