quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Sintomas de Magoma

Às vezes as pessoas me chamam de Kristina ou chamam Kristina de Ana e hoje nós duas respondemos a ambos os nomes sem distinção. Ainda que seja carinhoso ter toda uma vila falando com você (depois de 3 meses ainda causamos furor) não há como não sentir uma mistura de alívio por ouvir nossos nomes substituirem o antigo "mzungu" e incômodo por atrair tanta atenção.
Ouvir Kristina nas ruas, depois que Kristina voltar pro Michigan, me fará me sentir menos sozinha. Ouvir Kristina nas ruas, depois que Kristina voltar pro Michigan, me fará me sentir menos eu.

O deslumbramento com as estrangeiras é sintoma do isolamento.

Temos um apelido para os ônibus de Magoma que não posso nomear aqui. Há tanta gente dentro do ônibus e a cada uma das 24 paradas de Magoma a Korogwe mais pessoas acham espaço para entrar. "Songea kirogo", versão tanzaniana pra "aperta mais um pouquinho" ou "all the way down" faz milagres.
As paradas são frustrantes porque grupos de pessoas esperam a 10 metros um do outro e o ônibus pára duas vezes, prolongando a viagem (38km percorridos em 2 horas).
Muitas vezes, pessoas que vão descer nas primeiras paradas estão no fundo do ônibus e têm que se espremer em espaços inexistentes para chegar à única porta.
Certo dia nos venderam bilhetes para os assentos 5 e 6. Detalhe: o ônibus só tinha 4 poltronas por fileira.

Os ônibus de Magoma são sintoma da falta de planejamento.

A comida nacional da Tanzânia é ugali. Ugali é uma pasta de farinha de milho com água cozida, normalmente, no chão, com a panela equilibrada sobre pedras e lenha como combustível. Ugali não tem qualquer tempero, nem mesmo sal. O acompanhamento varia entre dagaa (peixes muito muito muito pequenos comidos inteiros como saíram da água, fritos e mantidos por dias sem refrigeração) ou mboga mboga (alguma verdura cozida).

Ugali é sintoma da falta de criatividade.

Estou lendo um livro chamado Eat, Pray & Love.
Aprendam com meu erro, quando viajarem para um país que não fala sua língua para trabalhar com pessoas que também não falam sua língua, levem livros escritos na sua língua. Eu, estupidamente, vim para a Tanzânia falar inglês com a equipe americana (confortável) e falar Kiswahili com os tanzanianos (ainda desconfortável, melhorando a cada dia) e trouxe dois livros em inglês para ler.
Lógico que após poucas semanas eu quis trocar livros com meus amigos americanos. Lógico que eles não tinham qualquer livro em português, que me fizesse sentir-me abraçada e totalmente compreendida.
De qualquer forma, foi assim que Eat, Pray & Love chegou às minhas mãos. E lendo o capítulo da Itália me deliciei com o pensamento de que cada cidade do mundo tem uma palavra que a descreve e que todas as pessoas que vivem nessa cidade têm dentro de si.

De acordo com o livro, a palavra de Roma é SEXO. E do Vaticano é PODER.
Ponderei para concluir que a palavra de São Paulo é DINHEIRO. E a palavra de Salvador é ENERGIA (amigos baianos me corrijam se eu estiver errada).

Pensei muito na palavra de Magoma e só me vieram à cabeça as palavras que não temos aqui. Acho que a palavra de Magoma é FALTA. Mas espero que trabalhando duro com a criançada possamos vê-la substituída por POTENCIAL, SONHOS ou MUDANÇA.

Pp. Quando estiverem viajando pela Tanzânia e alguém lhes oferecer um livro que tem “Eat” no título e passa pela Itália recusem! Foi doloroso sonhar com queijo, pizza, massa...

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