sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Daniel

No geral os estudantes nos enchem de orgulho. São olhinhos curiosos e sorrisos automáticos cada vez que entramos na sala de aula. Quando não há aula, como em grande parte desta semana, avisamos aos alunos quando pretendemos trabalhar com suas classes e temos estudantes esperando pacientemente por nossas atividades, às vezes por algumas horas já que temos trabalhado com três ou quatro classes por dia para driblar a agenda maluca da escola.

Esta semana a 1ª, 2ª, 3ª e 4ª séries foram à escola apenas por nossa causa :)
Em todo grupo existem estrelas. Temos as nossas aqui.

Daniel está sempre por perto. É o garoto que escala o coqueiro para pegar cocos para todos nós no fim de tarde. Mesmo quando não o selecionamos para uma determinada atividade (tentamos rotacionar os estudantes) ele está lá.

O garoto tem sempre tanta energia!
Ele não carrega a bomba de irrigação, ele corre com a bomba sobre a cabeça ladeira acima. Ele não puxa as mangueiras cheias de água, ele corre 20m puxando as mangueiras. Ele não vai desligar a bomba, ele salta de um monte de terra para outro até chegar ao rio.

Nos surpreendemos quando dividimos os times de irrigação com estudantes da 5ª e 6ª séries e ele não estava lá. Entendemos mais tarde, no mesmo dia, ao levar a 3ª série para uma atividade e encontrá-lo na sala de aula.

Daniel trabalha na plantação de arroz do irmão, cuida de um rebanho de cabras todas as tardes, vai à escola e encontra tempo para trabalhar na nossa plantação de melancias (e escalar o coqueiro para nos oferecer cocos).
Claro que o convidamos a participar de um dos times de irrigação. Claro que ele aceitou imediatamente (esta semana esteve irrigando não apenas com seu time, mas com todos os outros também. Na verdade ele está irrigando agora mesmo, enquanto escrevo este blog).

A surpresa maior veio ontem à noite. Eu tinha certeza que Daniel era um garoto grande de 13 anos. Ontem estávamos voltando da shamba depois de transplantar o ngogwe (berinjela africana), noite chegando.

Eu: "Daniel, una miaka mingapi?" (Daniel, quantos anos você tem?).
Daniel: "Kumi na saba" (17).
Kristina e eu: "No way, when were you born?" (Sem chance, quando você nasceu?).
Daniel: 1993.

Daniel não é um garoto grande de 13 anos. É um garoto pequeno de 17 anos. E isso mudou todas as minhas perspectivas.

Não sei em detalhes sua história ou porque ele ainda está na 3ª série. Tenho certeza que não teve a oportunidade de estudar por muitos anos e o admiro ainda mais por não ter vergonha de ir à escola em uma turma oito anos mais nova. Mais do que isso, não reclamou ao desenhar sua escola dos sonhos, atividade que propusemos à 3ª série.

Frequentemente vemos os garotos trabalhando na shamba e temos a sensação de estar rodeadas por gigantes. Quando voltamos à escola e os temos em uniformes percebemos que são apenas crianças, e crianças pequenas.

Kristina e eu tomamos café com Mzee Francis na varanda da máquina de farinha ontem à noite. Esta não foi uma semana fácil, tivemos problemas sérios na quarta e estamos exaustas. Mas sorrimos ao pensar que é para Daniel que estamos trabalhando tanto. Para um garoto como ele, que não teve oportunidades, mas as agarra quando elas surgem. Para que sua escola dos sonhos aconteça e para que seus sonhos voem muito além das paredes desbotadas da sala de aula.

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