domingo, 1 de agosto de 2010

Colheita de milho, leite e happy-hour

Passamos o fim de semana em Korogwe, excelente pra renovar as energias e compartilhar informações com todo o grupo. Em nossas reuniões; Magoma, Lutindi e Korogwe reunidos; colocamos nossos desafios e nossas perspectivas para que todos possam contribuir com idéias para todos os projetos.
Além do aspecto profissional, encontrar os amigos faz uma grande diferença. Comemoramos o aniversário da Alex (Lutindi) na sexta e tivemos um jantar de despedida para o Jesse (Korogwe), que está voltando para os EUA, no sábado. Todo mundo estava lá, inclusive os parceiros tanzanianos. É um fervilhar de informações, idéias e carinho que nos enche de energia pra continuar batalhando.
E a happy-hour que reuniu Magoma e Lutindi foi fantástica. Conversamos sobre os highlights e downlights e aproveitamos para estreitar nossos relacionamentos. Normalmente não temos oportunidade de sentar e relaxar em nossas cidades, todos estão sempre nos olhando e analisando, curiosos.

Na quinta fomos colher milho para ajudar alguns amigos. E foi super divertido ver Kristina toda animada usando camiseta e chinelos. Eu, obviamente, a convenci a colocar uma blusa de manga comprida e ir mais protegida. Na segunda carreira de milho ela percebeu por que...
Colher milho é divertido, parece com abrir ovos de páscoa: você nunca sabe qual a surpresa que encontrará. Só que quando se fala em agricultura de subsistência, sem qualquer maquinário ou investimento, é bom lembrar que quase todas as espigas são pequenas, algumas foram comidas por insetos e, principalmente, há muito mato rodeando a plantação. Isso faz o trabalho muito mais cansativo – adicione o sol de uma região seca e quente na cabeça.
Pra ajudar tem uma técnica de agricultura chamada intercrop, que queremos incentivar aqui inclusive. Basicamente consiste em intercalar dois tipos de semente, uma fileira de uma cultura, uma fileira de outra. Isso garante mais nutrientes no solo e maior produtividade.
Bom, o milho que fomos colher estava intercalado com sisal. Quem não conhece sisal imagine um porco-espinho sem as pernas com folhas apontando para todos os lados e espinhos bem afiados nas pontas. Nem preciso dizer que é bem doloroso esquecer este pontiagudo detalhe para alcançar a espiga de milho e ser lembrada pelo espinho te furando a panturrilha...

Um dos meus dilemas aqui, completamente inesperado, tem sido no relacionamento com as crianças. Na quarta tivemos um evento político, 17 candidatos do partido CCM se apresentando para a população (as eleições serão em outubro). Tinha bandeira, música, um pequeno palanque e pessoas etiquetando propaganda nas crianças – qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência.
Nós estávamos sentadas assistindo e de repente eu tinha cerca de 15 crianças me rodeando. Meio sem querer começamos um jogo, eu desenhando e elas me ensinando o nome em Swahili para meu desenho. Foi delicioso, fiquei com um dicionário ilustrado. Mas o ponto que nos deixa apreensivas é que os adultos não brincam com as crianças aqui. E não podemos perder o respeito dos adultos, ainda que amemos, eu principalmente, interagir com as crianças.
Um bom exemplo do que estou descrevendo foi quando Kristina e eu decidimos jogar futebol com alguns moleques. Uma platéia de cerca de 20 crianças se formou em poucos minutos para assistir a gente jogar, incluindo os meninos que estavam jogando no campinho e abandonaram o jogo: vale lembrar que apesar de ser brasileira eu nunca fui muito boa no futebol...
Quando levo minhas bolinhas de sabão para brincar com os pequenos acontece o mesmo. A quantidade de crianças cresce sem parar e começo a me preocupar com a segurança de todas elas, pulando para estourar as bolinhas...
Em resumo, mzungu + crianças = caos e paraíso.

Tenho cozinhado bastante, nem sempre com muita facilidade já que temos uma única boca de fogareiro movida a querosene. Convidamos um amigo que trabalha na ADP-Magoma (organização que atua na região) para jantar: panquecas, receita da vó.
Precisava de leite e rodei com Maria pelas 5 casas que têm vacas para tentar comprar 1 litro, sem nenhum sucesso. Tentamos leite em pó, que também não existe em Magoma, e partimos para panquecas com água. Isso no meio do apagão de 2 dias ocasionado pelo roubo dos cabos. Confesso que eu estava exausta depois do jantar, mas as panquecas de berinjela e banana ficaram muito boas, minha avó ficaria orgulhosa. E sobremesa é uma coisa que não existe aqui, ninguém sequer entende o conceito.

Momento engraçado: no dia seguinte pela manhã, Mzee (senhor) Francis nos trouxe leite, que ele comprou do seu vizinho. E logo em seguida surgiu um homem à nossa porta com leite para vender, pois disseram que duas wazungus (plural de mzungus) estavam procurando leite.
Como vocês podem ver, nem a busca por leite passa despercebida por aqui.

Baadaye!

Pp. Teoricamente mzungu não significa branco, mas estrangeiro. Mas a verdade é que havia um norte-americano negro aqui conosco por alguns dias, Julian, e em nenhum momento ele foi chamado de mzungu ou despertou o mesmo interesse que nós despertamos. Isso mostra que, ainda que o significado não seja exatamente este, na prática a palavra mzungu é usada para quem é diferente - e ter pele clara significa ser bem diferente. Até mesmo para uma brasileira miscigenada.

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