segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Spanglish Magoma

OK, preciso descrever essa situação pra vocês. Hoje fomos pra Korogwe no ônibus das 7h00. Korogwe fica a cerca de 36 km de Magoma mas a viagem dura no mínimo 2 horas, (normalmente 2h15, às vezes 2h30) já que o ônibus é velho, a estrada é de terra e há gente subindo e descendo a cada 10m.
Trocamos infos com as equipes de Korogwe e Lutindi, compramos suprimentos e visitamos uma escola que tem um programa de alimentação de alunos (internato de meninas) pra ver como as coisas funcionam.
Como a equipe de Lutindi tem um casamento amanhã cedo – em Magoma ninguém casa, só tem funerais :( – e Sam foi ao médico, em Dar, com Yakub, decidimos economizar $ e voltar pra Magoma no mesmo dia.
Quando chegamos, no último ônibus, estava anoitecendo (o ônibus deveria sair de Korogwe às 16h00, mas como ainda não estava lotado – lotado significa bem lotado – saiu às 17h00).
A Kristina estava acabada, ela não funciona de manhã e acordar tão cedo acaba com ela (eu sempre acordo mais cedo pra tomar meu banho gelado de canequinha rsrs). A viagem em si também é bem cansativa, chacoalha demais, sempre muita coisa acontecendo.
Cheguei, chequei os emails (comentando com uma amiga que somos observadas o tempo todo) e resolvi tomar um banho. Estamos no meio do Ramadã e por isso (acho) eu estava na canequinha quando uma molecada surgiu tocando panelas e cantando alguma coisa na porta (queria ter visto!).
Terminei o banho, coloquei meu pijaminha e fui fritar um ovo (proteína da semana). A frigideira não ajuda, mas eu estava sonhando com aquele ovo. Cortei dois tomates, ia cortar um pepino (acabei esquecendo) e fui buscar duas fatias de pão pra fazer torradas na frigideira (compramos o pão em Korogwe, aqui não tem pão). De repente escuto “Hodi” (permissão para entrar) e quando viro, minhas fatias de pão esmigalhando com o susto, vejo a vizinha do lado, que veio falar com Maria. Ela entra, olha meu pão, fala com Maria, olha minha frigideira e vai embora.
Pão semi-tostado, ovo e tomates no prato, com um pouquinho de molho de pimenta. Sentei no sofá. Ainda pensei “será que é melhor ir comer no quarto?”. Lição a ser aprendida: escute a sua intuição.

Aqui entra um adendo, vocês assistiram Spanglish, um filme super doce com Adam Sandler? Tem uma cena em que o Adam Sandler está fazendo um sanduíche, ele é chefe de cozinha, e tem todo um capricho na gema do ovo escorrendo sobre pão, a distribuição dos ingredientes... Quando ele vai dar a primeira mordida no sanduba surge a Paz Vega enfurecida porque a esposa dele tinha levado a filha dela pra cidade sem permissão. Lá se foi o momentum do sanduíche.
Qualquer semelhança...

Eu estava ali, arranjando meus ingredientes pelo prato e me ajeitando pra saborear minha versão simplificada do sanduíche do Adam Sandler. Primeiro pedaço na boca e escuto “Hodi” com passinhos. Lá vem a vizinha da frente com as duas irmãs. Ela tem 16 anos e as irmãs devem ter 12 e 10 mais ou menos. Todos os dias passam aqui curiosas com as mzungu, trazem ugali (espécie de mingau de farinha de milho com água) ou alguma outra coisa para Maria.
Viram-me na sala (tarde demais) e vieram correndo falar comigo, eu com a boca cheia e elas quase dentro do meu prato curiosas. Eu mastigando meu pedacinho despedaçado de pão e elas perguntando “Una penda nyanya?” (você gosta de tomate?). Confesso que se meu Swahili fosse melhor eu teria dito “não, estou comendo porque detesto” rsrs.
Foram para o quarto da Maria e a porta do meu quarto, que é no caminho, estava aberta. Quem me conhece sabe que nunca deixo as luzes acesas, mas claro que hoje, lei de Murphy, a luz do quarto estava acesa. Eu comendo meu pão com ovo toda torta e vendo as meninas entrando curiosas pra ver o quarto.

Mais um adendo: tento deixar o quarto preservado porque é meu único cantinho de privacidade. Além de ter minhas coisas lá dentro, tem um pouquinho de quem eu sou, lembranças que meus amigos me deram antes de eu viajar, computador, ipod e minha “ukuta Kiswahili”, parede cheia de post-its com palavras que estou tentando memorizar.
É lógico que qualquer criança vendo isso fica curiosa e quer entrar pra ver. O problema aqui é que de uma criança vendo pra 40 crianças vendo é uma questão de minutos.

Voltando novamente a Magoma, todas saíram do quarto da Maria e após mais um desvio pelo meu quarto voltaram para a sala, onde eu ainda estava tentando juntar pedaços do meu sanduba. Falaram mais um pouco comigo, mas eu não estava entendendo nada (não sei se por falta de Swahili, cansaço ou porque meu estômago estava bloqueando a capacidade de entendimento do meu cérebro).
Diante disso elas desistiram da comunicação e disseram “Baaday” (até logo).

Voltei pro meu sanduíche, mais migalhas que qualquer outra coisa a este ponto. Juntei algumas das migalhas, comi e levantei, ainda mastigando, pra pegar um guardanapo e ir lavar a louça.
“Hodi” e mais passos – quase me escondi debaixo da mesa. Agora era nosso vizinho, querendo também falar com Maria, mas já que eu estava lá tão disponível por que não falar comigo também?

Último adendo: aqui você não sai na rua vestindo menos que uma saia abaixo do joelho e blusas bem fechadas, de preferência sobrepostas por uma khanga (aqueles panos coloridos que quase toda foto de tanzanianas tem).
Eu estava de pijamas, calças arregaçadas pra não molhar as barras (temos um vazamento na cozinha que só surge à noite), óculos e cabelo enrolado no alto da cabeça (ainda bem que tirei as meias de dedinhos por causa do vazamento).

Tentei lavar a louça no escuro para que o vizinho não me visse assim, mas ele foi gentil e acendeu a luz. Conversou por 3 minutos com a Maria e voltou a tempo de jogar um pouquinho de papo fora comigo, super simpático, querendo até aprender português. Eu na pia querendo jogar a frigideira na cabeça dele :S

Quando finalmente ele se foi, eu terminei a louça. Fui imediatamente para meu quarto (tropeçando antes na Maria que resolveu limpar o corredor no meio da noite) e aqui estou, exausta, depois de um pão com ovo e tomate. E com medo de botar os pezinhos pra fora do quarto para escovar os dentes e dar de cara com toda a vizinhança me esperando atrás da porta.

Um comentário:

  1. nunca vi que tinha este item de "deixar um comentário"...dumb me. mas eu leio com frequência SIM este blog que, para mim, é fascinante, uma vez que me ensina tanto. VIVA MAGOMA.

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