sábado, 26 de junho de 2010

Rejeitando histórias únicas

Quando conheci o 2Seeds e estava considerando me candidatar a coordenadora de projeto, minha primeira preocupação foi saber se o projeto seria formulado e construído em conjunto com os tanzanianos e não imposto por estrangeiros que passariam apenas alguns meses na Tanzânia. A pergunta foi: ótimo, muitas pessoas super qualificadas e cheias de boas intenções indo para a Tanzânia ensinar as pessoas a plantarem de uma forma muito mais eficiente, mas o que os tanzanianos acham disso? E como a resposta, e os resultados de 2009, mostram que é um projeto multicultural na essência, aqui estou eu a caminho da Tanzânia.

Este vídeo, que assisti no blog do Cantinho (http://alecantinho.blogspot.com/2010/06/morreram-jose-saramago.html), fala justamente sobre isso. Sobre os preconceitos que substituem o conhecimento e formam histórias únicas. As históricas únicas são aquelas que representam tudo que conhecemos de um povo e descartam as facetas de qualquer cultura.
Tive amigos, super bem intencionados, preocupados com meu bem-estar na Tanzânia depois de ouvir histórias terríveis sobre mulheres brancas que foram para "a África" implementar projetos de sustentabilidade e foram estupradas. Conversei com meus mentores de projeto sobre isso, porque prometi que o faria, e a resposta da equipe tanzaniana foi justamente sobre a diversidade da África e as diferentes realidades que podemos encontrar naquele continente (às vezes nos esquecemos que a África é um continente e não um país).
Outro momento peculiar foi um amigo que, revoltado com a violência da seleção da Costa do Marfim no jogo contra o Brasil, me disse que estava torcendo para que todos os times africanos fossem eliminados da Copa na primeira fase. Não pude deixar de dizer que isso seria o mesmo que dizer, após um jogo feio da seleção argentina, que todas as equipes sulamericanas mereciam ser eliminadas na primeira fase (sim, isso incluiria o Brasil, também somos sulamericanos).
Da mesma forma, muitas pessoas acham que uma Copa na África significa que todos os países africanos torcem uns pelos outros. Quantos brasileiros torceriam pela Argentina apenas por ser a Copa na América do Sul?
Temos a tendência a sintetizar a imagem da África como uma região cheia de pessoas negras e animais selvagens, assolada por mazelas. E temos uma enorme responsabilidade, como brasileiros miscigenados, em refutar essa simplificação.
Eu escreverei muito sobre as mazelas africanas nesse blog, até porque estou indo implementar um projeto de sustentabilidade em uma região esquecida pelo mundo e cheia de problemas. Mas espero escrever muito também sobre minhas noites de dança em Magoma, sobre o jeito que as crianças brincam, sobre a interação feminina e seu papel dentro da sociedade, sobre os deliciosos temperos que vou conhecer...
Aliás, provoquei risos nos coordenadores de projeto norte-americanos quando perguntei ao Yakub, membro da equipe tanzaniana que esteve no treinamento em Boston, sobre o que eles chamaram de "tanzanian night life". Para mim era muito importante saber que sapatos levar para dançar em Magoma e isso está muito ligado a saber que ritmos as pessoas dançam lá. Descobri que o RAP está bem forte na região de Korogwe mas que há sim bailes de dança, em que normalmente as pessoas dançam separadas (não em casais).
Ou seja, da mesma forma que não existem macacos nem malária em São Paulo, que falamos português com sotaques distintos e não diversos dialetos no Brasil, que não passamos todo o tempo sambando de biquini e que trabalhamos muito aqui em São Paulo, estou indo para um vilarejo chamado Magoma > que fica na região de Korogwe > nordeste da Tanzânia > país do continente africano. Cada palavra dessa descrição representa um aspecto da identidade que vou encontrar, com o tempero final que é a individualidade de cada uma das pessoas que vou conhecer.
O vídeo, como descrito pelo Cantinho, mostra uma das formas do nascimento do preconceito em nossas vidas. São 18 minutos de uma palestra que nos faz pensar sobre nossa percepção do mundo.
O vídeo possui legendas em português. Clique em "View Subtitles" para escolher a legenda, aperte o play e aproveite.

Um comentário:

  1. Que bom que você gostou do vídeo. Quando eu o vi, pela primeira vez, eu senti na hora que algo de bom havia crescido dentro de mim. Deve ser a mente se abrindo. rsrs.

    Não conheço ninguém melhor do que você para falar sobre esse vídeo, principalmente quando se fala do continente africano.

    Certamete, eu não poderia ter escrito melhor.

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