sábado, 23 de abril de 2011

O sucesso se mede em baldes





Quando começamos a trabalhar com a escola aqui em Magoma e pensamos em como viabilizar uma shamba de frutas e legumes e um programa de refeições, ouvimos quase que unanimemente que precisávamos de uma pumping machine (uma máquina movida à gasolina que puxa a água do rio e a conduz por longas mangueiras azuis para irrigar a plantação). Após muito avaliar, decidimos comprar a poderosa máquina, que viabilizaria todos os nossos sonhos.

Como tudo na vida, sonhos e realidade são diferentes e ainda que nossa pumping machine tenha sido indispensável para a primeira temporada que cultivamos, descobrimos que usá-la sai mais caro do que o projetado (cerca de 9 litros de gasolina para cada rodada de irrigação, a TSH2.000/ litro – US$1,4) e exige muito esforço. As mangueiras devem ser carregadas da forma correta, para que não destruam a plantação no caminho, e ainda que eu tenha me divertido (e muito!) me molhando e me sujando de lama enquanto as carregávamos de um lado para o outro, não posso dizer que seja um trabalho leve.

Desde que começamos o programa de merenda escolar os alunos entenderam, não em palavras, mas em atitudes, o que estamos fazendo aqui. Eles também enxergaram a relação que existe entre o seu trabalho na shamba e as suas refeições.
Hoje conseguimos dividir a shamba entre quatro culturas: pimentões verdes (3ª e 6ª séries), melancias (5ª série), cebolas (4ª série) e gengibre (6ª série). Cada aluno é responsável por uma linha onde colocou uma bandeirola feita de bambu e um papelão com seu nome. Este estudante é responsável por tudo que diz respeito à sua linha, irrigá-la, arrancar as ervas daninhas, sombrear as plantas se o sol estiver muito forte. E estamos batalhando para que eles também sejam responsáveis por avaliar e tomar decisões, o conceito mais difícil na cultura hierárquica tanzaniana.

Hoje, quando vou à shamba ao final da tarde, tenho a mais linda vista: centenas de estudantes estão lá e a melhor parte: estão sorrindo. Eles vão ao rio, enchem os baldes de água e irrigam sua área (construímos uma proteção no rio para manter os crocodilos longe dos estudantes). E como decidiram que querem comer arroz na escola em junho, estão fazendo um excelente trabalho.

Ah! A pumping machine? Estamos pensando em outros destinos para ela. Sem usá-la nada disso estaria acontecendo, já que não teríamos um programa de merenda escolar (e este foi o estopim para que os estudantes se dedicassem à shamba). Mas hoje conseguimos irrigar de forma mais efetiva e barata, pra não mencionar menos poluente.

O sucesso aqui em Magoma, se mede em baldes :)

Arusha


Arusha é a capital do turismo na Tanzânia. É de lá que saem os safáris mais famosos, para Serengeti e Ngorongoro, e as excursões para o Kilimanjaro. Também é considerada a cidade mais violenta da Tanzânia, o que parece meio óbvio já que há muitos turistas andando por todo lado com dólares nos bolsos.
Eu estive em Arusha e perguntei quanto do dinheiro trazido pelo turismo chega às comunidades locais. Toda a região vive do turismo, é verdade e foi esta a resposta que obtive, mas será que o turismo é sustentável?
Entre 55 e 60% do preço de um safári vai para o governo. O restante paga os custos operacionais (combustível, comida) e vai para as agências que organizam os passeios. Os guias e cozinheiros não recebem um salário e sua fonte de renda são as gorjetas que recebem dos turistas (ainda assim, ganham em quatro dias cerca de dez vezes a renda média da população tanzaniana – eles não estão ganhando muito, os outros é que estão ganhando pouco).
Como em qualquer país em desenvolvimento, os investimentos do governo são questionáveis e nós brasileiros sabemos como um governo é capaz de usar ilicitamente cada centavo que recebe.
Se considerarmos que vender amendoins e pinturas para turistas ou comida para hotéis vale como geração de renda, temos turismo gerando renda na Tanzânia. Ainda assim poder-se-ia usar um modelo que integrasse a cultura local ao turismo – a real é que os wazungu (palavra em Kiswahili para descrever pessoas brancas) e os tanzanianos se misturam muito pouco por aqui e o abismo social te dá um tapa na cara cada vez que você olha em volta.

À parte do turismo, sentei em um restaurante em Arusha para almoçar. Comi alface, uma das iguarias mais raras da Tanzânia, e bebi suco sem açúcar, quase impossível de encontrar. A melhor surpresa foi trazida pelo som ambiente, que demorei a identificar (acho que desacostumei). Meus olhos se encheram de água com um samba, que não reconheci, mas falava de garoa e, portanto imagino que se referia a São Paulo. Não me permitiram ver o cd, mas as doces palavras em português, com a batida sincopada... Ganhei meu dia e me deliciei com meu pedacinho de Brasil em terra de leões.

Estação da chuva, estação da fome


As pessoas de Magoma não comem muito. Também não comem bem. Refeições balanceadas, proteínas e todas essas coisas que me lembro de ler em revistas de beleza não fazem o menor sentido aqui, mas nunca as vi passarem fome. Até agora.
Confesso que estou tentando me preparar psicologicamente para este período, que deve ser o mais difícil da minha temporada em Magoma. Como as chuvas não vieram no segundo semestre de 2010, a comida que as pessoas têm remanesce da colheita de junho/julho de 2010. Em uma região dependente de chuva em que as pessoas plantam sem ferramentas adequadas, as colheitas não são fartas. Pra ajudar, as pessoas vendem o milho a preços irrisórios para suprir suas pequenas necessidades (sabonete, caderno pra escola, tijolos) e não têm como estocar de forma apropriada os grãos.
O resultado de tudo isso é fome nos meses de abril, maio e junho, justamente quando deveríamos ter a estação chuvosa. Milho foi plantado em março, na expectativa das chuvas que devem chegar. O problema é que leva mais tempo pro milho crescer do que pra fome chegar.

Nossa meta de curto prazo é continuar o programa de merenda escolar nos meses de maio e junho. Assim, as crianças terão alguma comida e as famílias ficarão mais tranquilas. Em abril eu decidi suplementar o mingau com uma farinha extra, para prover mais nutrientes para os estudantes.
Todo o dinheiro que financia o programa vem do trabalho na shamba. Estamos batalhando, mas não sei se teremos suficiente para todo o mês de maio, já que vamos colher melancias, pimentões e cebolas em junho. Talvez, em meio a tantas decisões difíceis, eu ainda tenha que tomar a que considero a mais difícil de todas: devo financiar a merenda escolar durante a temporada de fome adiantando o lucro da colheita? Será que isso não levará o projeto para a mentalidade de dependência que evitamos a todo custo?
Não existe resposta fácil para estas perguntas.