domingo, 19 de dezembro de 2010

Cinema em Magoma














Tínhamos encerramento do ano escolar, fechamento da temporada e despedida da Kristina, tudo acontecendo ao mesmo tempo.
Aqui só existe um tipo de festa, todo mundo comendo pilau (arroz com carne da cabra e especiarias) e bebendo refrigerante (normalmente com as mãos em grandes pratos comunitários). Casamento? Pilau e refrigerante. Feriado? Pilau e refrigerante. Encerramento do ano escolar? Bom, normalmente nada, mas quando mencionamos nosso interesse em fazer alguma coisa surgiu a expectativa de pilau e refrigerante.
Desde que cheguei a Magoma penso em Cinema Paradiso (filme italiano, Giuseppe Tornatore) por aqui, sempre considerando uma viagem da minha cabeça sonhadora. Mas nos últimos meses fizemos tantas coisas que só estavam vivas em nossas cabeças sonhadoras, por que não mais esta?

Anunciamos durante toda a semana que todos em Magoma estavam convidados para uma sessão de cinema na escola. Contratamos nosso serviço preferido, o Tangazo Man, homem que anda pela vila à noite, bate uma panela e grita
"Tangazo! Tangazo! Tangazo!" (Notícia! Notícia! Notícia)
para então informar enterros, nascimentos, reuniões, serviços médicos e, em 3 de dezembro de 2010, cinema.

Não vou descrever aqui o desespero que foi preparar o vídeo, 25 minutos de fotos da escola, da vila, dos estudantes, animados com música brasileira e norte-americana. Claro que faltou luz durante toda a semana e tive que virar duas noites seguidas para conseguir terminar o projeto. Claro que o som ficou estranho no meio de tantas conversões e tivemos que sincronizar o DVD com um CD de música. Claro que não foi fácil alugar um projetor na Tanzânia, ainda que Mr. Thomas do Club JT (Korogwe) tenha sido extremamente atencioso.
O fato é que nada disso importa.
Tivemos 300 crianças sentadas num tapetão de lona e compramos sorvete para todas elas (gelinho de água, baobá, suco e açúcar - a guloseima oficial de Magoma, preparada por Mama Tuna e vendida por TSH50 – US$0,03). Marcamos as mãos de cada uma com canetão para controlar a entrega, uma unidade por criança.
Tivemos adultos também, sentados em cadeiras que pedimos emprestadas em toda a vila (igreja, escola, ONGs) ou em pé ao redor do tapete.

Assim que anoiteceu acendemos a iluminação, velas dentro dos baldes coloridos que as crianças trouxeram (são esses baldes que usamos para tomar banho, lavar roupas, armazenar comida). Marcamos o nome da criança no balde para devolvê-lo ao final da noite.

O vídeo começou e as crianças riam e gritavam cada vez que reconheciam alguém ou algum lugar na tela (todo o tempo, o vídeo era todo sobre Magoma). Anunciavam o nome da pessoa ou do lugar. Não desgrudavam os olhos da tela.
Meu momento preferido foi no final, quando durante o filme dos estudantes cantando de manhã na escola algumas crianças levantaram para acompanhar o filme cantando.
Ao final dos 25 minutos todos queriam mais e projetamos O Rei Leão.

Sempre ouço dos meus amigos que escrevo bem e consigo passar a emoção que vivo através do blog. Hoje acho que não mereço o elogio, acho que não sou capaz de transmitir o que sentimos na primeira sessão de cinema de Magoma.
As crianças gostaram de O Rei Leão. As crianças amaram Magoma.
3 de dezembro de 2010 foi o dia em que nossos pequenos atores superstars foram mais populares que Simba, Timão e Pumba.

Pb. Mr. Bodo sempre gargalha quando conversamos sobre o Tangazo Man e me pergunta quem é o Tangazo Man em São Paulo. Minha resposta é sempre a mesma, que o pobre Tangazo Man em São Paulo começaria anunciando um nascimento, mas demoraria tanto para caminhar toda a cidade que terminaria anunciando a morte do dito bebê, já idoso e após uma vida feliz.

Um comentário:

  1. Muito bom Ana. Parabéns!!! Tens muito talento e grande sensibilidade. Estará prometida uma visita à "tua aldeia" se acontecer passar por essas bandas.

    Grande beijo e como dizemos em Angola: "estamos juntos"

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