Já é quase 1h00 da manhã aqui na Tanzânia e estou no escuro do meu quarto escrevendo este post ao som misturado de música brasileira e chuva. Usiku, minha cachorra, está dormindo na cama dela, aos pés da minha.
Faz tempo que não chove em Korogwe. Faz tempo que não chove nas vilas. Faz tempo que o milho morreu seco e até onde os olhos enxergam só se vê árvores retorcidas e seca no vale e na planície. Hoje está chovendo e eu sempre acreditei que a chuva traz mudança, que a chuva movimenta, faz a vida girar e mexe as peças do lugar.
Ontem choveu muito no vale e meu telefone recebeu mensagens e mais mensagens de coordenadores de projeto felizes, dançando na chuva. O calor era muito, ignorava a sola dos sapatos e queimava nossos pés sem piedade. Ao ver a chuva, os coordenadores enviaram mensagens uns aos outros, como que para checar se a chuva não era apenas uma alucinação, mas ao perceber que não estavam loucos se permitiram curtir como crianças as gotas pesadas que caíam do céu.
Esta tarde tive uma reunião em Kwakiliga, um dos nossos projetos que mais sofrem com a seca (um ano sem chuva e nenhum rio por perto) e a primeira de nossas vilas onde ouvi as pessoas pensando em se mudar para outro lugar; se não para viver, para plantar - a fome que brota em descrença. Com a chuva, vamos, finalmente, plantar mandioca.
Muito do que se passa em Kwakiliga este ano segue modelos brasileiros: nossos parceiros estão ansiosos para aprender a cozinhar mandioca como nós cozinhamos, a fazer biju e tapioca, e também a criar galinhas e plantar de acordo com o sistema PAIS (produção agroecológica integrada sustentável). O desafio será colossal em Kwakiliga, mas temos que sonhar grande e pensar que um dia, como a chuva veio encharcar nossas lágrimas de fome, outros milagres acontecerão.
"Quem é ateu e viu milagres como eu
Sabe que os deuses sem Deus
Não cessam de brotar, nem cansam de esperar"
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