terça-feira, 8 de maio de 2012

Era uma vez um rato na minha cozinha


Este post necessita de um prefácio para que a seguinte estória faça sentido para aqueles que não me conhecem tão bem: eu sou vegetariana.


Há cerca de três ou quatro noites eu ouvi um barulho suspeito ao entrar em minha cozinha, sacos plásticos sendo revirados em um dos cantos. Imediatamente pensei: rato.

Não sou uma expert em ratos, mas tive meu período em Magoma com cerca de 30 ratos (que eu carinhosamente chamava de hamsters) me fazendo companhia todas as noites, incluindo no chuveiro (hamsters voyers).
Nunca tive ratos em minha casa quando sou a responsável pela limpeza e organização, mas aqui recebo muitos PCs, que não são exatamente as pessoas mais organizadas que já conheci, e em Magoma meus problemas com ratos começaram quando uma família tanzaniana se mudou para a casa e começou a deixar um banquete disponível para os ratos todas as noites (a comida ficava até em pratos, o que me fazia imaginar os hamsters com babadores lavando suas mãos antes das refeições).


Voltando à minha cozinha, mais tarde naquela noite, Kristin, coordenadora de projeto de Korogwe que estava dormindo aqui, entrou (mais) branca no meu quarto e disse: “eu vi o rato”. Claro que ela não ficou na cozinha tempo suficiente para me indicar seu paradeiro (é nessas horas que tenho vontade de perguntar “você é uma mulher ou é um rato?”).

Pois bem, o dono da casa tinha alguns galões cheios de milho que ficavam na cozinha e como era impossível manter a limpeza em volta deles eu decidi me livrar dos galões com a real desculpa de que estavam me trazendo problemas com ratos. Precisei da ajuda de três homens para movê-los, mas uma vez livre dos galões o espaço ficou muito bacana. Sem ratos (eu pensei), sem teias de aranha e sem poeira.

Como por duas noites não vi ou ouvi sinal do rato imaginei que ele havia realmente ido embora. De qualquer maneira resolvi blindar a cozinha, tapando cada buraco (na porta e no teto) e reorganizando tudo para manter ratos distantes. Feliz, pensei “livre do rato e com uma cozinha mais bonita. Essa foi fácil!”.

Quase...


Esta manhã decidi fazer um suco e achei meus tomates comidos e alguns pedaços de saco plástico que até ontem continham alguma coisa. Procurei em todos os cantos da cozinha, da sala, iluminei os cantos mais remotos com a lanterna e... nada.

Chamei o fundi (pessoa que conserta coisas, em Swahili) para me trazer veneno. Como amanhã vou a Dar es Salaam seria um bom momento para deixar veneno na cozinha já que Usiku (minha cachorra) estará fora da casa por três dias.

Bom, lembram do prefácio deste blog? Pois é, eu sou vegetariana. E isso significa que eu detesto, não suporto, odeio mais do que tudo... matar coisas. Se precisar eu mato, especialmente porque muitos dos PCs morrem de medo de insetos e aí sobra pra mim. Mas antes tento capturar o inseto e levá-lo para longe.

Enquanto o veneno não vinha comecei a pensar em alternativas:
1.     Emprestar um gato de alguém? (talvez isso também matasse o rato, mas aí seria uma coisa mais natural e eu acreditava que o rato fugiria rapidamente ao ouvir os miados e tudo se solucionaria sem derramarmos uma gota de sangue).
2.     Já sei! – pensei. Tenho que bater um papo com o rato e usar minhas capacidades de negociação adquiridas no CEAG para convencê-lo que sua melhor opção seria se render e deixar a casa, o que salvaria sua vida e me pouparia muito trabalho. E assim comecei a conversar com o rato, que eu acreditava estar escondido na cozinha, mostrando a ele meu desejo de ajudá-lo a ter uma vida melhor na liberdade do mundo exterior e longe dos meus tomates, enumerei algumas das possibilidades infinitas que ele teria fora da minha casa e... nem sinal do rato (hum, talvez a FGV não tivesse ratos em mente quando elaborou aquele curso)...


Quando o fundi e o veneno chegaram ele me disse que havia um buraco no fundo do freezer velho, que também pertence ao dono da casa (e como não funciona é usado como mesa). Decidi aproveitar sua presença para dar uma olhada.
Afastamos o freezer e meus ouvidos treinados identificaram o barulho dos sacos plásticos. Com um cabo de vassoura começamos a fuçar no buraco até que o rato saiu correndo. Pausa: ele era até bonitinho, pequeno, cinza escuro, com potencial para ser um bom hamster.

O fundi queria matá-lo com o cabo de vassoura, mas eu pulei na frente dele e disse que poderíamos capturar o rato com uma bacia (vegetariana, lembra?). E assim, senhoras e senhores, começou o espetáculo.

O rato corria pela cozinha e tentava se esconder e eu atirava a bacia enquanto o fundi o assustava com o bastão. Sob o fogão, atrás dos tanques de água, correndo pelas cestas de comida, sob o fogão novamente – parecia uma prova de percurso com obstáculos. E a bacia voava para lá e para cá, eu e o fundi pulávamos com o rato correndo entre nossas pernas e o rato corria pela sua vida.
Depois de pelo menos meia hora nós três estávamos cansados. Chamei Kristin (aquela branquinha da primeira noite) para reforçar nosso time com mais uma bacia e abri a porta da cozinha que vai para a rua para tentar induzir o rato a correr para a liberdade (também conhecida como quintal). Me posicionei no corredor que ele vinha usando desde que a “luta” começou e dei o ok para o fundi. O cabo de vassoura entrou em ação, o rato correu, Kristin pulou para trás e eu joguei a bacia. E sucesso! Ganhei um rato como prêmio!

Aí foi só levar a bacia para o quintal e assistir ao rato correndo para bem longe, limpar a sujeira, pagar o exausto fundi e comemorar.


Como não consigo evitar uma analogia, tenho que dizer que a saga do rato me lembra um pouco do nosso trabalho por aqui. Eu queria ajudá-lo. O rato queria salvar sua vida e ter comida suficiente. Meus parceiros estavam engajados. O rato não confiava em mim (o que aquela pessoa quer comigo?). Eu confiava nos meus parceiros já que tive o cuidado de escolher pessoas com quem formei relacionamentos (conheço o fundi desde que me mudei para Korogwe e a Kristin tem sido uma PC ponta-firme nos últimos nove meses). E foi necessária uma estratégia, posicionamento correto e muito empenho para conseguirmos algum resultado.

O resultado não é permanente (mais ratos podem surgir) e exige manutenção, mas estaremos aqui e prontos para eles quando eles chegarem. E no final todos saíram ganhando: o rato ganhou sua liberdade e se manteve vivo. Eu me livrei do rato. A Kristin evitou futuras surpresas desagradáveis ao entrar na cozinha à noite. O fundi recebeu TZS10,000, (cerca de US$6) o que é mais do que as pessoas fazem em uma semana por aqui.

Final feliz =)


Pp. enquanto tudo isso acontecia, Usiku, minha cachorra caçadora, aproveitava o sofá e dormia como um bebê...

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