Este post necessita de um prefácio para que
a seguinte estória faça sentido para aqueles que não me conhecem tão bem: eu
sou vegetariana.
Há cerca de três ou quatro noites eu ouvi
um barulho suspeito ao entrar em minha cozinha, sacos plásticos sendo revirados
em um dos cantos. Imediatamente pensei: rato.
Não sou uma expert em ratos, mas tive meu
período em Magoma com cerca de 30 ratos (que eu carinhosamente chamava de hamsters)
me fazendo companhia todas as noites, incluindo no chuveiro (hamsters voyers).
Nunca tive ratos em minha casa quando sou a
responsável pela limpeza e organização, mas aqui recebo muitos PCs, que não são
exatamente as pessoas mais organizadas que já conheci, e em Magoma meus
problemas com ratos começaram quando uma família tanzaniana se mudou para a
casa e começou a deixar um banquete disponível para os ratos todas as noites (a
comida ficava até em pratos, o que me fazia imaginar os hamsters com
babadores lavando suas mãos antes das refeições).
Voltando à minha cozinha, mais tarde
naquela noite, Kristin, coordenadora de projeto de Korogwe que estava dormindo
aqui, entrou (mais) branca no meu quarto e disse: “eu vi o rato”. Claro que ela
não ficou na cozinha tempo suficiente para me indicar seu paradeiro (é nessas
horas que tenho vontade de perguntar “você é uma mulher ou é um rato?”).
Pois bem, o dono da casa tinha alguns
galões cheios de milho que ficavam na cozinha e como era impossível
manter a limpeza em volta deles eu decidi me livrar dos galões com a real
desculpa de que estavam me trazendo problemas com ratos. Precisei da ajuda de
três homens para movê-los, mas uma vez livre dos galões o espaço
ficou muito bacana. Sem ratos (eu pensei), sem teias de aranha e sem poeira.
Como por duas noites não vi ou ouvi sinal
do rato imaginei que ele havia realmente ido embora. De qualquer maneira
resolvi blindar a cozinha, tapando cada buraco (na porta e no teto) e
reorganizando tudo para manter ratos distantes. Feliz, pensei “livre do rato e
com uma cozinha mais bonita. Essa foi fácil!”.
Quase...
Esta manhã decidi fazer um suco e achei
meus tomates comidos e alguns pedaços de saco plástico que até ontem continham
alguma coisa. Procurei em todos os cantos da cozinha, da sala, iluminei os
cantos mais remotos com a lanterna e... nada.
Chamei o fundi (pessoa que conserta coisas, em Swahili) para me trazer
veneno. Como amanhã vou a Dar es Salaam seria um bom momento para deixar veneno
na cozinha já que Usiku (minha cachorra) estará fora da casa por três dias.
Bom, lembram do prefácio deste blog? Pois
é, eu sou vegetariana. E isso significa que eu detesto, não suporto, odeio mais
do que tudo... matar coisas. Se precisar eu mato, especialmente porque muitos
dos PCs morrem de medo de insetos e aí sobra pra mim. Mas antes tento capturar o
inseto e levá-lo para longe.
Enquanto o veneno não vinha comecei a
pensar em alternativas:
1. Emprestar um gato de alguém?
(talvez isso também matasse o rato, mas aí seria uma coisa mais natural e eu
acreditava que o rato fugiria rapidamente ao ouvir os miados e tudo se
solucionaria sem derramarmos uma gota de sangue).
2.
Já sei! – pensei. Tenho que
bater um papo com o rato e usar minhas capacidades de negociação adquiridas no
CEAG para convencê-lo que sua melhor opção seria se render e deixar a casa, o
que salvaria sua vida e me pouparia muito trabalho. E assim comecei a conversar
com o rato, que eu acreditava estar escondido na cozinha, mostrando a ele meu
desejo de ajudá-lo a ter uma vida melhor na liberdade do mundo exterior e longe
dos meus tomates, enumerei algumas das possibilidades infinitas que ele teria
fora da minha casa e... nem sinal do rato (hum, talvez a FGV não tivesse ratos
em mente quando elaborou aquele curso)...
Quando o fundi e o veneno chegaram ele me disse que havia um buraco no fundo
do freezer velho, que também pertence ao dono da casa (e como não funciona é
usado como mesa). Decidi aproveitar sua presença para dar uma olhada.
Afastamos o freezer e meus ouvidos
treinados identificaram o barulho dos sacos plásticos. Com um cabo de vassoura
começamos a fuçar no buraco até que o rato saiu correndo. Pausa: ele era até
bonitinho, pequeno, cinza escuro, com potencial para ser um bom hamster.
O fundi
queria matá-lo com o cabo de vassoura, mas eu pulei na frente dele e disse que
poderíamos capturar o rato com uma bacia (vegetariana, lembra?). E assim, senhoras e
senhores, começou o espetáculo.
O rato corria pela cozinha e tentava se
esconder e eu atirava a bacia enquanto o fundi
o assustava com o bastão. Sob o fogão, atrás dos tanques de água, correndo
pelas cestas de comida, sob o fogão novamente – parecia uma prova de percurso
com obstáculos. E a bacia voava para lá e para cá, eu e o fundi pulávamos com o rato correndo entre nossas pernas e o rato
corria pela sua vida.
Depois de pelo menos meia hora nós três
estávamos cansados. Chamei Kristin (aquela branquinha da primeira noite) para
reforçar nosso time com mais uma bacia e abri a porta da cozinha que vai para a
rua para tentar induzir o rato a correr para a liberdade (também conhecida como
quintal). Me posicionei no corredor que ele vinha usando desde que a “luta”
começou e dei o ok para o fundi. O
cabo de vassoura entrou em ação, o rato correu, Kristin pulou para trás e eu
joguei a bacia. E sucesso! Ganhei um rato como prêmio!
Aí foi só levar a bacia para o quintal e
assistir ao rato correndo para bem longe, limpar a sujeira, pagar o exausto fundi e comemorar.
Como não consigo evitar uma analogia, tenho
que dizer que a saga do rato me lembra um pouco do nosso trabalho por aqui. Eu
queria ajudá-lo. O rato queria salvar sua vida e ter comida suficiente. Meus
parceiros estavam engajados. O rato não confiava em mim (o que aquela pessoa
quer comigo?). Eu confiava nos meus parceiros já que tive o cuidado de escolher
pessoas com quem formei relacionamentos (conheço o fundi
desde que me mudei para Korogwe e a Kristin tem sido uma PC ponta-firme nos últimos
nove meses). E foi necessária uma estratégia, posicionamento correto e muito
empenho para conseguirmos algum resultado.
O resultado não é permanente (mais ratos podem surgir) e exige manutenção, mas estaremos aqui e prontos para eles quando eles chegarem. E no final todos saíram ganhando: o rato ganhou sua liberdade e se manteve vivo. Eu me livrei do rato. A Kristin evitou futuras surpresas desagradáveis ao entrar na cozinha à noite. O fundi recebeu TZS10,000, (cerca de US$6) o que é mais do que as pessoas fazem em uma semana por aqui.
O resultado não é permanente (mais ratos podem surgir) e exige manutenção, mas estaremos aqui e prontos para eles quando eles chegarem. E no final todos saíram ganhando: o rato ganhou sua liberdade e se manteve vivo. Eu me livrei do rato. A Kristin evitou futuras surpresas desagradáveis ao entrar na cozinha à noite. O fundi recebeu TZS10,000, (cerca de US$6) o que é mais do que as pessoas fazem em uma semana por aqui.
Final feliz =)
Pp. enquanto tudo isso acontecia, Usiku,
minha cachorra caçadora, aproveitava o sofá e dormia como um bebê...