domingo, 11 de maio de 2014

Por trás de toda tempestade se esconde um céu azul

Hoje é domingo, Sunday Funday como dizemos aqui (instituímos este dia para que tenhamos uma folga durante a semana, senão acabamos trabalhando sem parar).  Então eu não deveria estar trabalhando, mas é época de transição e preciso preparar o novo grupo de coordenadores de projeto para continuar o trabalho de seus antecessores enquanto preparo os antecessores para voltar pra casa e os parceiros para seguir adiante.

As coisas às vezes se complicam por aqui, para ser honesta mais com a sede da 2Seeds nos EUA do que com o trabalho na Tanzânia. Então às vezes me sinto no olho da tempestade e me canso de tentar explicar os mesmos conceitos tantas e tantas vezes. Estou no meio de um desses momentos.


Todo ano, dois coordenadores de projeto que se destacaram como líderes e profissionais, são escolhidos para ficar aqui um segundo ano, trabalhando comigo na administração do network como um todo e dando suporte aos coordenadores de projeto e aos parceiros. Este ano, os escolhidos foram Hailes e Cam, e estou começando a apresentá-los para as comunidades com que eles trabalharão. Sendo assim, hoje levei Cam a Tabora, projeto que estará sob sua responsabilidade a partir de agosto.


Confesso que estava com preguiça de passar a manhã em Tabora, ando cansada, mas o tempo é curto e preciso fazer o meu melhor sempre. Assim fomos tomar café-da-manhã com as oito mulheres e duas coordenadoras que formam o Projeto Tabora. Em Tabora, oito mulheres de personalidade forte e alma empreendedora produzem comida embalada (como batatas-fritas, amendoim com canela e pipoca) e vendem em Korogwe e Dar es Salaam. Além de geração de renda, um dos focos do projeto é nutrição, já que todas as mulheres são mães buscando comidas melhores para seus (muitos) filhos. O trabalho acontece em uma cozinha de bambu, que construímos com as mulheres e com a ajuda de parceiros de Kwak. E nossa reunião foi ali.

Mama Tabia com sua netinha Rehema (que está com malária), Mama Kitojo com seu barrigão de 8 meses de gravidez, Mama Eggie com seu jeito conciliador, Mama Salome com uma aparência muito mais saudável (ela costumava ser magra demais), Mama Asha com sua risada alta, Mama Mudi que anda mais presente e Mama Mwaliko com a pequena Hali ya Hewa (nascida há um mês) no colo – todas nos esperando com chai e chapati (chá e panquecas). A oitava mulher, Mama Hasani, havia ido à feira em outra vila comprar suprimentos.

Hali ya Hewa, pequenina e toda embalada em casacos e cobertores já que aqui há sempre o medo de as crianças ficarem doentes, me foi imediatamente entregue. A neném suava com suas sobrancelhas desenhadas à lápis para evitar mau-olhado (costume da Tanzânia).

Primeiro comemos, sempre um momento importante em uma comunidade que ainda vive a fome, ao som das risadas e brincadeiras  daquele grupo de mulheres que hoje encontrou sua identidade e tem um ar tão contagiante de triunfo que se manifesta com a repetição constante de “Wanawake wanaweza” (algo como “mulheres são capazes” ou “mulheres podem”). Foi então que as mulheres começaram a se apresentar, dizendo seus nomes, se autodenominando mulheres de negócios ou empreendedoras, e explicando seu papel dentro do grupo. A cada palavra meus olhos brilhavam, especialmente nos momentos em que ouvia “eu cuido da contabilidade e calculo lucro, custos e renda”,“eu cuido da nossa linha de produtos calculando o ROI e analisando prós e contras”, “eu cuido do relacionamento com os compradores”, ou ainda “eu marco quem está trabalhando e quem não está e procuro quem está faltando”.

A cada rodada de palavras, as mulheres falavam de sua história como grupo, dos momentos em que estavam tendo prejuízo e faziam as coisas sem pensar e sem saber o que estavam fazendo. De como quando começamos os treinamentos em negócios e empreendedorismo elas pensaram que estavam velhas demais pra aprender, que não dariam conta, e que seria mais uma série de treinamentos que não mudaria suas vidas (risos para Mama Tabia dizendo “kitchua kimeexpire”, algo como “a cabeça já passou do prazo de validade”). E foram seguindo, comentando os conceitos que aprenderam, falando de como vão seguir em frente até chegar a Maisha Bora (vida de qualidade).

Eu ouvia as vozes entusiasmadas, lembrava dos momentos de desencanto e fome que as vi passar e olhava para Hali ya Hewa nos meus braços pensando “esta menina vai viver em Maisha Bora”.


É difícil explicar o orgulho que senti hoje, vendo nossas parceiras de Tabora no controle de suas vidas e as coordenadoras de projeto de Tabora sentindo que fizeram a diferença e que cresceram. Comprovou que a estrutura que temos desenvolve capital humano e cria oportunidade para as pessoas serem o seu melhor.

São muitas as coisas que não tenho por ter decidido, há quatro anos, ficar aqui – algumas delas talvez eu nunca venha a ter, e são coisas importantes. Hoje, em Tabora, eu senti que vale a pena e o céu ficou azul. :)

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