sexta-feira, 11 de outubro de 2013

O noivado de Maria

Algumas semanas atrás fui a meu primeiro noivado na Tanzânia. Noivados não são muito comuns e são uma coisa de família, como um acordo. Por isso (e por não saber nem que ela estava pensando em casamento) fiquei surpresa quando Maria, minha amiga tanzaniana com quem dividi a casa em Magoma em 2010, me convidou para seu noivado.

A festa foi em Handeni, duas horas distante de Korogwe, e lá fui eu com minha saia de festa em um domingo de muito sol. Handeni é um pedaço de caatinga, planície sem fim e sem água povoada por tribos nômades, que esbanja sol e calor.

Cheguei sem saber muito bem o que esperar e fui recebida por uma família sorridente que conheci em outubro de 2010 durante um funeral de 7 dias de que participei para apoiar Maria – até hoje tenho meu vestido branco com a “estampa da família” que fizeram para mim no funeral. Naquela época eu mal falava Swahili e fiquei muito próxima à família através de mímica e sorrisos. Foi bom vê-los novamente agora que posso entender o que é dito à minha volta.

Esperamos ali pelo noivado, Maria no quarto se arrumando e os convidados espalhados pela casa. De repente chegou a família do noivo, sem o noivo, dançando e carregando presentes como trazendo presentes para o rei. Apresentaram-se todos os membros importantes de cada família (inclusive eu), o que totalizou umas 50 pessoas. Daí em diante eu não sabia o que esperar, então observei.

Os homens mais velhos/importantes de ambas as famílias começaram e conversar e eu pude perceber que havia algum desentendimento acontecendo. Quando eles pediram licença do salão e foram discutir privadamente, eu me atualizei sobre os fatos: na Tanzânia, a família do noivo paga o dote à família da noiva para que o noivado aconteça. A família de Maria pediu TZS500,000 (cerca de US$313), mas a família do noivo não trouxe o valor total (ai que bafão!).

Comecei a olhar com um pouco de desdém para a família do noivo que estava barganhando o “preço” da minha amiga (que eu achei uma barganha, ora veja) e busquei na expressão das pessoas a resposta para aquela situação: isso acontece sempre ou é deselegante? É parte do processo?
Como eu estava sentada com a mãe e tias da noiva, começamos a debater, as surpresas indo de um campo a outro como em um jogo de vôlei-cego:

Eu perguntei a elas o que aconteceria se o noivo não pagasse e elas disseram que ele pagaria. Aí perguntei como seria se duas pessoas se gostassem e a família do noivo não tivesse dinheiro, elas disseram que o casamento aconteceria sem pagamento, mas que a noiva estaria fazendo uma escolha arriscada já que o casal não teria condições de se manter no futuro. Elas me perguntaram qual é o valor do dote no Brasil e eu disse que não temos dote (choque). Eu perguntei o que acontecia quando os casais se separavam e elas se espantaram e devolveram a pergunta pedindo detalhes sobre divórcio no Brasil. Aí eu entrei no assunto de famílias formadas por filhos de diversos casamentos e elas não puderam esconder sua indignação “quer dizer que você se separa de um homem e tem filho com outro?!” (não que aqui na Tanzânia as pessoas não tenham filhos fora do casamento). E assim a conversa foi, o choque cultural nos fazendo rir pela realização constante de que tudo é uma questão de perspectiva.

Depois de meia-hora os homens voltaram ao salão e decidiram continuar com a festa. Assim a família do noivo foi buscá-lo (ele estava no carro durante todo o tempo) e o trouxeram com música, mais presentes, mais dança e os tradicionais gritos tanzanianos, que fazemos batendo a língua no céu da boca. Então foi a vez de Maria aparecer, toda bonita e tímida, e assim se deu o pedido e o noivo colocou a aliança de compromisso no dedo da minha amiga.

Aqui festas sempre acabam com comida e a noiva foi a primeira a se servir para ser imediatamente retirada do salão, de volta a seu quarto – a família da noiva gritou para todos que ela não sairia do quarto até o fim fazendo piada com o fato de o noivo ainda não ter pago o dote – o bom-humor tanzaniano...

Meu status de amiga da noiva (e celebridade na Tanzânia) me permitiu tirar uma foto com o casal, no cantinho da casa, e algumas fotos dos dois juntos. Maria estava contente em me mostrar seu HB (handsome boy) e eu fiquei sabendo que as famílias não se conheciam até aquele momento – a mãe da noiva nunca havia encontrado  o futuro genro até aquele momento.

Ao final fui perguntar quais seriam os próximos passos e descobri que a família do noivo havia concordado em trazer o restante do dote em duas semanas. A família da noiva, claro, tinha um pouco de sarcasmo em seus comentários, dizendo que a família do noivo deveria ter conversado com eles antes da festa, para que aquela situação fosse evitada. E eu me dividia entre rir de toda a situação e pensar com meus botões que minha amiga estava muito barata enquanto me reprimia ao perceber que estava aceitando rapidamente demais a ideia do pagamento (se o dote fosse maior tudo bem?!).


A família do noivo deve ter cumprido com seu compromisso já que os preparativos para o casório continuam. O bota-fora da Maria será em dezembro (a família da noiva organiza um bota-fora para ela já que quando ela se casa, ela se junta à família do marido). Recebi meu convite para o bota-fora e tenho que preparar a minha contribuição, que posso mandar por banco-telefônico, uma das maravilhas da vida em um país onde as pessoas não têm conta-bancária.

Vida longa a Maria e Fredy!
 

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Samahani, nimepotea

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Em Swahili dizemos “Umepotea sana!” (você se perdeu muito! = você sumiu!) quando vemos uma pessoa que não víamos há tempos. Hoje passo por aqui para dizer “Samahani, nimepotea” (desculpem, eu me perdi) e para atualizá-los sobre tudo que estamos vivendo aqui na Tanzânia.

Os meses de maio a outubro são os mais malucos para mim já que englobam a transição entre times de coordenadores de projetos. Para não enfraquecer nossos projetos e relacionamentos com parceiros locais, eu sou a principal responsável por garantir que a maioria dos déficits de informação seja preenchida e que o trabalho siga de acordo com o plano. Com isso, os dias têm sido longos e as visitas aos projetos muitas (para minha felicidade; segredo nosso ;).


Assim, agora de volta e com a meta de um post por semana, tenho muito para escrever, tanto em experiências pessoais como profissionais. Para começar vou contar a estória de nosso querido Mzee Rubeni, para quem se lembra do doce solteirão de Kwakiliga, que vivia solitário por não ter uma esposa (http://maquinadedesencalharbaleias.blogspot.com/2013/05/apresentando-mzee-rubeni.html).

A boa notícia é que Mzee Rubeni se casou! Verdade que foi meio que de surpresa, meio que escondido, mas não consigo esconder minha satisfação ao vê-lo chegar às reuniões com camisas floridas e sorriso no rosto, atrasado como quem perde a noção do tempo quando está em casa. Mama Rubeni é uma senhora de uma vila próxima, que tem seis filhas adultas e casadas e por isso também se sentia só – na Tanzânia as mulheres se incorporam à família do marido quando se casam então acabam mais distantes da própria família.

Como o casal se conheceu eu não sei; com medo de uma grande festa, maior que suas posses, Mzee Rubeni manteve segredo sobre o plano até a véspera do casório e eu mesma só pude comparecer à sua casa à noite, quando os convidados já haviam partido.
Confesso que a lembrança de Mzee Rubeni com seu chapeuzinho muçulmano e roupas brancas, dentes faltando no sorriso, e a esposa em roupa de festa, suando com o calor da planície, meio sem saber o nome do vilarejo em que estava, me alegra até hoje.


Fico pensando em que escala a participação de Mzee Rubeni no Projeto Kwakiliga e seu sucesso nas atividades do grupo (como a criação de galinhas), viabilizaram seu casamento. Tenho a sensação de que de alguma forma ele se sentiu mais qualificado para ter uma família por não ter que se preocupar tanto com a fome.

Ontem, tivemos uma reunião em Kwak, na qual o doce Mzee Rubeni levantou a preocupação sobre o destino de sua esposa no caso de sua morte – ele queria saber se ela herdaria seu lugar e poderia continuar com o trabalho do grupo. Brinquei, como sempre, dizendo que membros da 2Seeds não são autorizados a morrer e que nós não aceitaríamos que ele quebrasse este acordo. Entre risadas, tivemos uma discussão em família sobre os caminhos a seguir e o compromisso de ajudarmos uns aos outros.
Vida longa ao casal e às galinhas! (all we need is love!)


Pp. Como estamos na Tanzânia, a honestidade é uma virtude crua. Em pleno casamento (ou tecnicamente no que seria a noite de núpcias) Mzee Rubeni, em frente à Mama Rubeni, se sentiu na obrigação de me explicar que como Mama Mwaka o rejeitou (ele havia sido casado com a sobrinha dela) ele decidiu se casar com outra pessoa, bonita e de pele clara, apontando para Mama Rubeni. Minha pele quase branca ficou vermelha por um segundo, antes de eu me lembrar que estamos na Tanzânia e que Mama Rubeni, a suposta parte ofendida, estava a seu lado sorrindo e agradecendo a Deus pela nova vida. Ah, o charme tanzaniano...