A festa foi em Handeni, duas horas distante
de Korogwe, e lá fui eu com minha saia de festa em um domingo de muito sol.
Handeni é um pedaço de caatinga, planície sem fim e sem água povoada por tribos
nômades, que esbanja sol e calor.
Cheguei sem saber muito bem o que esperar e
fui recebida por uma família sorridente que conheci em outubro de 2010 durante
um funeral de 7 dias de que participei para apoiar Maria – até hoje tenho meu
vestido branco com a “estampa da família” que fizeram para mim no funeral.
Naquela época eu mal falava Swahili e fiquei muito próxima à família através de
mímica e sorrisos. Foi bom vê-los novamente agora que posso entender o que é
dito à minha volta.
Esperamos ali pelo noivado, Maria no quarto
se arrumando e os convidados espalhados pela casa. De repente chegou a família
do noivo, sem o noivo, dançando e carregando presentes como trazendo presentes
para o rei. Apresentaram-se todos os membros importantes de cada família
(inclusive eu), o que totalizou umas 50 pessoas. Daí em diante eu não sabia o
que esperar, então observei.
Os homens mais velhos/importantes de ambas
as famílias começaram e conversar e eu pude perceber que havia algum desentendimento
acontecendo. Quando eles pediram licença do salão e foram discutir
privadamente, eu me atualizei sobre os fatos: na Tanzânia, a família do noivo
paga o dote à família da noiva para que o noivado aconteça. A família de Maria
pediu TZS500,000 (cerca de US$313), mas a família do noivo não trouxe o valor
total (ai que bafão!).
Comecei a olhar com um pouco de desdém para
a família do noivo que estava barganhando o “preço” da minha amiga (que eu
achei uma barganha, ora veja) e busquei na expressão das pessoas a resposta
para aquela situação: isso acontece sempre ou é deselegante? É parte do
processo?
Como eu estava sentada com a mãe e tias da
noiva, começamos a debater, as surpresas indo de um campo a outro como em um
jogo de vôlei-cego:
Eu perguntei a elas o que aconteceria se o
noivo não pagasse e elas disseram que ele pagaria. Aí perguntei como seria se
duas pessoas se gostassem e a família do noivo não tivesse dinheiro, elas
disseram que o casamento aconteceria sem pagamento, mas que a noiva estaria
fazendo uma escolha arriscada já que o casal não teria condições de se manter
no futuro. Elas me perguntaram qual é o valor do dote no Brasil e eu disse que
não temos dote (choque). Eu perguntei o que acontecia quando os casais se
separavam e elas se espantaram e devolveram a pergunta pedindo detalhes sobre
divórcio no Brasil. Aí eu entrei no assunto de famílias formadas por filhos de
diversos casamentos e elas não puderam esconder sua indignação “quer dizer que
você se separa de um homem e tem filho com outro?!” (não que aqui na Tanzânia
as pessoas não tenham filhos fora do casamento). E assim a conversa foi, o
choque cultural nos fazendo rir pela realização constante de que tudo é uma
questão de perspectiva.
Depois de meia-hora os homens voltaram ao
salão e decidiram continuar com a festa. Assim a família do noivo foi buscá-lo
(ele estava no carro durante todo o tempo) e o trouxeram com música, mais
presentes, mais dança e os tradicionais gritos tanzanianos, que fazemos batendo
a língua no céu da boca. Então foi a vez de Maria aparecer, toda bonita e
tímida, e assim se deu o pedido e o noivo colocou a aliança de compromisso no dedo
da minha amiga.
Aqui festas sempre acabam com comida e a
noiva foi a primeira a se servir para ser imediatamente retirada do salão, de
volta a seu quarto – a família da noiva gritou para todos que ela não sairia do
quarto até o fim fazendo piada com o fato de o noivo ainda não ter pago o dote
– o bom-humor tanzaniano...
Meu status de amiga da noiva (e celebridade
na Tanzânia) me permitiu tirar uma foto com o casal, no cantinho da casa, e
algumas fotos dos dois juntos. Maria estava contente em me mostrar seu HB (handsome boy) e eu fiquei sabendo que as
famílias não se conheciam até aquele momento – a mãe da noiva nunca havia encontrado
o futuro genro até aquele momento.
Ao final fui perguntar quais seriam os
próximos passos e descobri que a família do noivo havia concordado em trazer o
restante do dote em duas semanas. A família da noiva, claro, tinha um pouco de
sarcasmo em seus comentários, dizendo que a família do noivo deveria ter
conversado com eles antes da festa, para que aquela situação fosse evitada. E
eu me dividia entre rir de toda a situação e pensar com meus botões que minha
amiga estava muito barata enquanto me reprimia ao perceber que estava aceitando
rapidamente demais a ideia do pagamento (se o dote fosse maior tudo bem?!).
A família do noivo deve ter cumprido com
seu compromisso já que os preparativos para o casório continuam. O bota-fora da
Maria será em dezembro (a família da noiva organiza um bota-fora para ela já
que quando ela se casa, ela se junta à família do marido). Recebi meu convite
para o bota-fora e tenho que preparar a minha contribuição, que posso mandar
por banco-telefônico, uma das maravilhas da vida em um país onde as pessoas não
têm conta-bancária.
Vida longa a Maria e Fredy!