quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Sorrisos que alimentam a alma

Mzee Mcharo peparando sementes de mandioca
 


Raimondi preparando sementes de mandioca

Mama Halima preparando sementes de mandioca


A mandioca à espera da chuva

Plantando
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Kwakiliga é uma de nossas vilas na planície (tecnicamente uma sub-vila), com cerca de 1000 habitantes. Estabelecida em uma área muito seca e sem acesso a água, eu muitas vezes me pergunto o que levou nossos parceiros em Kwakiliga a viverem ali. A resposta correta para esta pergunta é, provavelmente, disponibilidade de terras em um país em que cada pedacinho de solo é plantado para subsistência. Minha resposta poética para esta pergunta paira no que me encanta em Kwakiliga: sua paisagem de tirar o fôlego, com céu sempre azul e solo vermelho; o mais belo pôr-do-sol da Tanzânia; o vento forte que bate incessantemente; o Mkwajo, árvore de copa grande e frutos amargos que marca o centro da vila e por último, mas não menos importante, o sorriso contagiante dos habitantes de Kwakiliga que jamais perdem uma oportunidade para se divertir e sobrevivem à fome se alimentando de alegria.

Este ano não temos coordenadores de projeto em Kwakiliga pois dois dos candidatos selecionados desistiram de vir à Tanzânia e por ser a o projeto mais próximo a Korogwe (14km) e por sua longa estória com a 2Seeds, Kwakiliga se tornou responsabilidade minha e do Sam (o outro diretor de desenvolvimento de projetos). Nossos corações batem forte com a responsabilidade e nós temos um desejo visceral, uma necessidade mesmo, de levar o projeto em Kwakiliga adiante e encontrar formas de criar oportunidades para esta comunidade que encarou tantos insucessos. 

 
Hoje passei o fim da tarde em Kwakiliga, plantando mandioca com nossos parceiros. Mandioca será, provavelmente, nossa última tentativa de cultivo já que se a chuva não for suficiente para que a mandioca floresça não será suficiente para mais nada. Nós arriscamos ao comprar as sementes após um único dia de chuva, o único em muito tempo, e nossos parceiros estão trabalhando muito para que as plantas sobrevivam já que o período de fome em Kwakiliga tem sido mais intenso a cada ano.
O momento mais forte do dia foi a alegria com que nossos parceiros trabalharam na shamba, com seus corpos muito magros e sorrisos largos, cantando, fazendo piada (o que me proporcionou um candidato a marido, é claro) e incentivando uns aos outros.


O desafio é que não importa o volume de esforço que colocamos na nossa shamba, se a chuva não vier não teremos o que comer e esta falta de controle sobre o processo, a relação falha entre causa e consequência, é muito dolorosa para mim.

Para resolver esta questão estamos iniciando a construção de galinheiros e temos uma nova iniciativa, focada em segurança financeira, que é a produção de ovos.


Contarei mais detalhes sobre nossas aventuras no mundo das galinhas muito em breve, mas por agora peço que todos cruzem seus dedos e soprem as nuvens em nossa direção. A mandioca precisa de chuva para sobreviver e ter esta segurança crescendo no solo significa muito para nossos fortes parceiros. Eles acreditam que a chuva está vindo; eu também (tenho que acreditar), e não há um único segundo do dia em que eu não busque sinais no sentido do vento ou no barulho fora da janela que indiquem que estamos certos.

Que venha a chuva, porque não consigo pensar em um lugar do mundo que precise (ou mereça) mais se deliciar com as gotas que caem do céu!

sábado, 3 de novembro de 2012

Chuva que encharca as lágrimas

Já é quase 1h00 da manhã aqui na Tanzânia e estou no escuro do meu quarto escrevendo este post ao som misturado de música brasileira e chuva. Usiku, minha cachorra, está dormindo na cama dela, aos pés da minha.

Faz tempo que não chove em Korogwe. Faz tempo que não chove nas vilas. Faz tempo que o milho morreu seco e até onde os olhos enxergam só se vê árvores retorcidas e seca no vale e na planície. Hoje está chovendo e eu sempre acreditei que a chuva traz mudança, que a chuva movimenta, faz a vida girar e mexe as peças do lugar.

Ontem choveu muito no vale e meu telefone recebeu mensagens e mais mensagens de coordenadores de projeto felizes, dançando na chuva. O calor era muito, ignorava a sola dos sapatos e queimava nossos pés sem piedade. Ao ver a chuva, os coordenadores enviaram mensagens uns aos outros, como que para checar se a chuva não era apenas uma alucinação, mas ao perceber que não estavam loucos se permitiram curtir como crianças as gotas pesadas que caíam do céu.

Esta tarde tive uma reunião em Kwakiliga, um dos nossos projetos que mais sofrem com a seca (um ano sem chuva e nenhum rio por perto) e a primeira de nossas vilas onde ouvi as pessoas pensando em se mudar para outro lugar; se não para viver, para plantar - a fome que brota em descrença. Com a chuva, vamos, finalmente, plantar mandioca.

Muito do que se passa em Kwakiliga este ano segue modelos brasileiros: nossos parceiros estão ansiosos para aprender a cozinhar mandioca como nós cozinhamos, a fazer biju e tapioca, e também a criar galinhas e plantar de acordo com o sistema PAIS (produção agroecológica integrada sustentável). O desafio será colossal em Kwakiliga, mas temos que sonhar grande e pensar que um dia, como a chuva veio encharcar nossas lágrimas de fome, outros milagres acontecerão.

"Quem é ateu e viu milagres como eu
Sabe que os deuses sem Deus
Não cessam de brotar, nem cansam de esperar"