quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Kwa heri 2010!

Fim de ano, novo chegando. Tempo de escolhas sobre o que queremos manter, o que queremos mudar, o que queremos mais, o que queremos menos, onde queremos ir, para onde não queremos voltar, quem queremos mais perto, quem queremos ver longe.
Tenho sim muitos desejos para 2011, sempre temos. Mas neste post vou comentar o ano que passou, uma avalanche.

Em 2010 tudo mudou, um fim de semana mudou minha vida. Surgiu uma oportunidade de fazer um trabalho em que acredito e me joguei. Fui pra longe, um oceano e um continente de distância. Tentei me manter perto, dividindo o lado de dentro.
Virei a página, o negro virou azul, o azul ficou transparente. Abri mão do que amo pra viver no calor de Magoma.
Este ano aprendi a irrigar e a reconhecer uma plantinha de melancia, este ano descobri que banho de caneca pode ser o maior barato, este ano tomei suco e chá com açúcar porque não dá pra dizer não, este ano fiquei sem queijo, vi meu corpo crescer (resolução para 2011: desfazer esta parte!) e parei de dançar. Aprendi kiswahili, esqueci português.
Este ano virei mama sem ter filhos, virei mzungu, recebi propostas de casamento de gente que não me conhece, vi o sol nascer correndo cedinho, vi o sol nascer do ônibus de filme, vi o sol nascer na praia. Fui beijada por uma girafa, fiz amigos norte-americanos que me ensinaram a falar banana-hamock, virei mzee (velho), virei kijana (jovem), me mostrei e me escondi.
Senti saudades, decidi ficar, fiquei, quis mudar, mudei.

2010 foi uma avalanche, mudou tudo que tinha para ser mudado e um pouco do que não era pra mudar. E eu, que sempre gostei de mudanças e sempre desejei viver longe na monotonia, vi minha vida virar de ponta-cabeça: faz sentido, o que torna as mudanças magníficas é justamente a falta de controle que temos sobre elas.

Vou começar o ano em Magoma de um jeito diferente. Vou comemorar duas vezes, no horário daqui e no horário do Brasil. Vou me imaginar na praia pulando ondinhas enquanto me molho com as mangueiras de irrigação. Vou chorar um pouquinho de saudades, vou passar a meia-noite sozinha (aqui ninguém comemora). Vou sonhar e me abrir pro ano que chega, pra que eu seja capaz de promover mais mudanças não só na minha vida, mas especialmente na vida dos 813 estudantes que sorriem para mim todos os dias.
Que venha 2011! Feliz Ano Novo!

365 novas oportunidades para sermos felizes. 365 páginas em branco para escrevermos nossa história. Desejo que vocês aproveitem cada uma delas! Bora nos jogar :)

Nairóbi


Tinha que ir à fronteira para renovar meu visto de permanência na Tanzânia. Já que tenho que sair do país, por que não aproveitar para conhecer um cantinho novo?

Foi assim que Nairóbi (Quênia) entrou na minha vida. Ouvi muita gente dizer que a cidade é horrorosa, a mais traumática do mundo. A curiosidade bateu e decidi tirar a prova.
De Korogwe a Nairóbi foram 11 horas de viagem. Cheguei 1h30 da manhã pensando "que hora bizarra para pisar em uma cidade tão perigosa". Mas foi fácil achar um táxi que me cobrou mais caro, mas me levou em segurança para meu refúgio de mochileira (eu sabia o valor da corrida porque perguntei quando reservei o hotel, mas de madrugada tudo que eu queria era chegar em segurança, não negociei preço).
Dormi em uma cabine, um pequeno bangalô de madeira no meio da vegetação. O segurança abriu a porta pra mim, a recepção já estava fechada. Fazia frio e eu, desacostumada depois de seis meses em Magoma, não levei meias e enrolei a camiseta em um pé, a canga no outro. Dormi bem.

O albergue de mochileiros foi uma escolha acertada. Conheci pessoas viajando pela África, viajando pelo mundo, viajando pelo Quênia. Falei português e espanhol, ouvi alemão.
No segundo dia minha cabine não estava disponível (eu havia feito a reserva para apenas uma noite) e migrei para uma barraca. Sim, UMA BARRACA!
Quem me conhece sabe o quanto amo acampar e pode imaginar minha felicidade. São barracas permanentes, com roupa de cama (!) fornecida pelo lodge.

Caminhei no centro de Nairóbi, subi em uma torre para olhar a cidade - que não se perde de vista e está circundada por savana - sentei num parque com um monte de gente esquisita, fiz amigos, curti a happy hour.
Visitei um berçário de elefantes onde bebês-elefantes encontrados machucados ou sozinhos na savana são cuidados até terem idade e condições para reintrodução na natureza. Vi um rinoceronte-negro. Visitei um centro de alimentação de girafas (e fui beijada por uma girafa!!!).

Nairóbi me rendeu amigos, me lembrou porque me defino como mochileira, me chacoalhou, me colocou em um prumo e me tirou de outro. Encheu-me de vontade de viajar pela África e me mostrou que dá pra fazer isso sendo uma mulher sozinha. Permitiu-me compartilhar a experiência na Tanzânia enquanto ouvia a experiência de quem está em outra viagem.
A volta de ônibus foi épica: sentada no chão do ônibus sobre uma almofada, a música (meio árabe, meio africana) no último volume, os personagens dentro do ônibus (de masais a missionários), a savana do lado de fora, o Kilimanjaro surgindo entre as nuvens, a velocidade leeenta e as paradas tumultuadas em que passageiros são deixados pra trás (e às vezes perseguem o ônibus em motocicletas para continuar viagem). Foram 20 horas para chegar a Magoma, em tempo para meu Natal no sertão.

Nairóbi: seja cuidadoso, lembre-se das precauções que tomaria andando na Praça da Sé ou no Largo 13 de Maio e divirta-se! Eu recomendo :)

domingo, 19 de dezembro de 2010

Cinema em Magoma














Tínhamos encerramento do ano escolar, fechamento da temporada e despedida da Kristina, tudo acontecendo ao mesmo tempo.
Aqui só existe um tipo de festa, todo mundo comendo pilau (arroz com carne da cabra e especiarias) e bebendo refrigerante (normalmente com as mãos em grandes pratos comunitários). Casamento? Pilau e refrigerante. Feriado? Pilau e refrigerante. Encerramento do ano escolar? Bom, normalmente nada, mas quando mencionamos nosso interesse em fazer alguma coisa surgiu a expectativa de pilau e refrigerante.
Desde que cheguei a Magoma penso em Cinema Paradiso (filme italiano, Giuseppe Tornatore) por aqui, sempre considerando uma viagem da minha cabeça sonhadora. Mas nos últimos meses fizemos tantas coisas que só estavam vivas em nossas cabeças sonhadoras, por que não mais esta?

Anunciamos durante toda a semana que todos em Magoma estavam convidados para uma sessão de cinema na escola. Contratamos nosso serviço preferido, o Tangazo Man, homem que anda pela vila à noite, bate uma panela e grita
"Tangazo! Tangazo! Tangazo!" (Notícia! Notícia! Notícia)
para então informar enterros, nascimentos, reuniões, serviços médicos e, em 3 de dezembro de 2010, cinema.

Não vou descrever aqui o desespero que foi preparar o vídeo, 25 minutos de fotos da escola, da vila, dos estudantes, animados com música brasileira e norte-americana. Claro que faltou luz durante toda a semana e tive que virar duas noites seguidas para conseguir terminar o projeto. Claro que o som ficou estranho no meio de tantas conversões e tivemos que sincronizar o DVD com um CD de música. Claro que não foi fácil alugar um projetor na Tanzânia, ainda que Mr. Thomas do Club JT (Korogwe) tenha sido extremamente atencioso.
O fato é que nada disso importa.
Tivemos 300 crianças sentadas num tapetão de lona e compramos sorvete para todas elas (gelinho de água, baobá, suco e açúcar - a guloseima oficial de Magoma, preparada por Mama Tuna e vendida por TSH50 – US$0,03). Marcamos as mãos de cada uma com canetão para controlar a entrega, uma unidade por criança.
Tivemos adultos também, sentados em cadeiras que pedimos emprestadas em toda a vila (igreja, escola, ONGs) ou em pé ao redor do tapete.

Assim que anoiteceu acendemos a iluminação, velas dentro dos baldes coloridos que as crianças trouxeram (são esses baldes que usamos para tomar banho, lavar roupas, armazenar comida). Marcamos o nome da criança no balde para devolvê-lo ao final da noite.

O vídeo começou e as crianças riam e gritavam cada vez que reconheciam alguém ou algum lugar na tela (todo o tempo, o vídeo era todo sobre Magoma). Anunciavam o nome da pessoa ou do lugar. Não desgrudavam os olhos da tela.
Meu momento preferido foi no final, quando durante o filme dos estudantes cantando de manhã na escola algumas crianças levantaram para acompanhar o filme cantando.
Ao final dos 25 minutos todos queriam mais e projetamos O Rei Leão.

Sempre ouço dos meus amigos que escrevo bem e consigo passar a emoção que vivo através do blog. Hoje acho que não mereço o elogio, acho que não sou capaz de transmitir o que sentimos na primeira sessão de cinema de Magoma.
As crianças gostaram de O Rei Leão. As crianças amaram Magoma.
3 de dezembro de 2010 foi o dia em que nossos pequenos atores superstars foram mais populares que Simba, Timão e Pumba.

Pb. Mr. Bodo sempre gargalha quando conversamos sobre o Tangazo Man e me pergunta quem é o Tangazo Man em São Paulo. Minha resposta é sempre a mesma, que o pobre Tangazo Man em São Paulo começaria anunciando um nascimento, mas demoraria tanto para caminhar toda a cidade que terminaria anunciando a morte do dito bebê, já idoso e após uma vida feliz.