Faz tempo que não escrevo e tem muita coisa
acontecendo aqui na Tanzânia. Muitos posts virão, mas hoje quero começar
falando de Magoma.
Minha analogia preferida sobre o Projeto
Magoma vem do Sam, o outro diretor de desenvolvimento de projetos: Magoma é
como um daqueles motores de caminhão a diesel; você olha e parece uma bagunça,
dá a sensação de que não vai pegar, mas quando você vira a chave, o caminhão
liga e sai andando; pulando, mas seguindo em frente. E vai longe.
Nas últimas semanas vendemos mais de 300kg
de cebolas produzidas pela escola e mais de 200kg de cenouras. As cebolas, de
altíssima qualidade, atraíram compradores que pagaram preço justo e fizeram
bons negócios. As cenouras tinham qualidade média (aprendemos que a preparação
do solo tem que ser mais intensa quando plantamos sementes pequenas), mas
também foram todas vendidas.
Na escola em que comecei o projeto em 2010,
Kwata, o programa de merenda escolar recomeçou ontem com mingau enriquecido com
as pequenas cenouras que restaram na shamba,
final de produção que não teria mercado. Após um período sem refeições em que,
de certa forma, houve perda no relacionamento com os estudantes, pudemos
recomeçar o programa e com isso mostrar aos estudantes o resultado de seu
trabalho e de seu aprendizado.
Já em Kijango, a primeira escola para a
qual expandimos o projeto em 2011, a merenda escolar começou na terça-feira,
quando pela primeira vez em sua história os 525 alunos tiveram a chance de
comer mingau na escola. Mingau pago com o dinheiro da venda de ovos do
galinheiro da escola.
Assim consolidamos o modelo, agricultura
para escolas com acesso a água, criação de animais para escolas que não tem
água por perto.
Os momentos de merenda são indescritíveis
(veja as fotos acima) e ainda que para muitos seja fácil desmerecer o valor de
um copo de mingau, o semblante (e a voz reivindicadora) das crianças desmente o
demérito e seus sorrisos validam a refeição simples, resultado direto de seu
trabalho. Claro que temos o sonho de que a escola seja capaz de financiar
refeições mais nutritivas, mas a educação que enriquece o mingau abre portas
para o futuro e ainda que estejamos longe de alcançar o potencial completo do
projeto vemos pequenas vitórias que conduzem o caminho.
Nas últimas duas semanas, quatro estudantes
de Kwata (Luka, Maimusa, Shabani e Mwanaisha) têm ido facilitar treinamentos em
nossas outras comunidades. O treinamento em preparação para o cultivo encanta
os expectadores, mas sua maior surpresa e descoberta é, sem dúvida, que
crianças podem ensinar adultos e todos somos um pouco professores e um pouco alunos.
As reações são diversas, mas nunca falta um “kumbe,
walimu wazuri!” (uau, excelentes professores).
Hoje, ao voltar do treinamento em
Kwakiliga, acompanhei todos os estudantes a suas casas, para agradecer a seus
pais por permitirem que eles me acompanhem aos treinamentos e pelo
desprendimento de deixa-los passar todo um dia longe de casa (as crianças
trabalham com seus pais quando não estão na escola). Fui recebida com sorrisos
e pais orgulhosos parabenizaram seus filhos ao ouvir que fantástico grupo de
professores eles formam. Depois de encontrar o pai de Luka no café e visitar as
casas de Maimusa, Mwanaisha e Shabani (e ver o garoto orgulhoso dizer na frente
da mãe que seu sonho é ser professor), Shabani me acompanhou de volta à rua. Fomos
conversando no caminho, o garoto sonhando com seu futuro como professor mesmo sendo
fruto de um sistema educacional (muito) deficiente. Shabani esteve envolvido no
projeto Magoma desde o início, sempre atento ao que se passa, pronto para fazer
as perguntas certas, aprender e opinar. Shabani é um garoto quieto, que
raramente sorri e tem o semblante de quem está pensando as questões do mundo, o
que coloca rugas em seu rosto de criança.
Hoje eu disse a Shabani que ele receberá um
certificado de facilitador de treinamentos e que em alguns anos, quando ele se
tornar professor e procurar emprego, ele pode mostrar o certificado como uma
prova de que tem capacidade para fazer um grande trabalho. Eu também disse a
ele que o recomendarei de onde estiver. O vislumbre de sua carreira de
professor me deu o momento mais valioso de meu dia: ao olhar para trás vi um
Shabani sorridente, leve como uma criança, que veio me agradecer por ter
começado o projeto em Magoma. Aquele sorriso, vindo de um garoto que acaba de
se formar na escola primária e por isso está se despedindo do projeto, encheu
meus olhos de lágrimas e o coração de calor.
Sempre me pergunto se os estudantes com
quem comecei o projeto, que dedicaram seu suor, risos e força a um sonho em que
inicialmente não acreditavam, e que se formaram ano passado ou estão se
formando este ano, se beneficiaram o suficiente. Não que eu saiba definir o que
seria “suficiente”. Hoje vou me permitir pensar que sim, que o sorriso de
Shabani representa uma possibilidade de futuro e que em algum lugar de suas
mentes e almas esses estudantes agora acreditam que é possível ter uma vida
melhor (e que há pessoas que se importam).
Um brinde ao dia que Shabani sorriu!