Quando mandioca foi comida por cupins nos campos de Kwak e nossa alternativa mais resistente se transformou em cascas ocas que se desintegravam em nossas mãos eu tive que me recompor, olhar em frente e lembrar que em minha oportunidade de trabalhar diretamente com a comunidade de Kwakiliga fracasso não era uma possibilidade. Sim, porque eu vivo em Korogwe (não em Paris) e como ugali com as mãos (não comida baiana) para fazer a diferença, para mudar o mundo, para proporcionar alternativas a quem não as tem.
Ontem eu visitei Kwak e ouvi Mzee Mcharo falar de sua vergonha a cada encontro que fazíamos em Korogwe, quando todos os projetos tinham algo para mostrar enquanto Kwakiliga era só fome, seca e lamento. Foram três anos de reuniões, três anos de lamento.
Ontem eu também ouvi, não apenas de Mzee Mcharo, mas também de Mzee Adamu, estórias sobre pessoas indo visitar Kwakiliga para ver os galinheiros e a "mudança climática" que estamos promovendo com o sistema integrado e a floresta que estamos plantando.
Ontem eu os ouvi sonhar em voz alta e viver seus sonhos.
Nossos três galinheiros agora têm verduras, frutas e legumes plantados a seus redores cercados com bambu e arame - provavelmente as únicas cercas existentes na vila - para manter as cabras longe dos frutos (galinhas e cabras ganharão as folhas).
Ontem Mzee Mcharo falava de seu orgulho e de como ele mal pode esperar para receber os parceiros dos demais projetos em Kwak e mostrar o trabalho do grupo. Ele me contou uma estória sobre a diferença que o amor faz e como as galinhas vão bem pelo carinho que eles têm por elas.
Ontem Mzee Adamu falava de como sua casa é agora um exemplo para toda a Tanzânia e de como sua terra, na área mais maltratada e menos verde de Kwak, vai ser diferente.
Ontem Mama Mwaka ouviu que está trabalhando demais, que ela não precisa ir cuidar das galinhas todos os dias antes da 6 da manhã, mas que ela está arrasando.
Ontem Mzee Rubeni fazia cafuné na cabeça das galinhas e emendava dizendo que eles vão construir os poleiros para produção dos ovos com as próprias mãos já que eu trazendo o design eles podem construir qualquer coisa (algum dia eles vão desenvolver o design também).
Ontem Mama Halima falava de como as galinhas seguem nossas vozes por sentirem nosso amor e quererem estar perto da gente.
Ontem nós começamos a planejar um sistema de colheita de água, de baixo custo e feito com materiais locais, para que o verde em Kwak não varie com as chuvas (um objetivo antigo que não imaginávamos concretizar em muitos anos).
Fica difícil explicar as razões pelas quais viver tudo isso é especial. Ver o reverso do lugar comum em que tudo dá errado e viver um momento em que tudo dá certo aqui na Tanzânia é muito raro, dá até um certo medo de celebrar demais. Claro que temos desafios à frente, mas neste momento eu digo sem medo que estamos criando uma realidade em Kwak onde problemas podem ser resolvidos e pessoas os resolvem. Pela primeira vez, problemas são apenas isso, problemas, destinados a ter soluções.
É mágico ver tantas vidas ganhando significado, especialmente quando a sua é uma delas.
sexta-feira, 17 de maio de 2013
segunda-feira, 13 de maio de 2013
Apresentando: Família Hussani
O galinheiro número 3 é mantido por uma família: Mama Halima, Aziza e Kilango.
Mama Halima (foto #1) é a secretária do nosso grupo, mulher de língua afiada que tem sempre uma atitude desafiadora e não engole sapos, estando certa ou errada. Ela não baixa a cabeça para os homens do grupo ou para os coordenadores de projeto e é uma mulher honesta, inteligente e que serve como referência para resolver todo tipo de questões comunitárias.
Mama Halima não tem uma vida fácil sustentando sua família (ela se separou do marido há muitos anos), incluindo uma filha com sérios problemas de saúde que apesar de não ter capacidade de tomar decisões independentes ou de se locomover sozinha está grávida pela segunda vez.
Minha qualidade preferida em Mama Halima é sua capacidade de fazer a mais sisuda criatura gargalhar incontrolavelmente - quando ela está de bom-humor.
Aziza (foto #2) é filha de Mama Halima e casada com Kilango, homem bastante influente na vila e que tem outras três esposas. Aziza é forte, espirituosa e divertida, mas não muito constante em seu trabalho com o grupo. Ela tem duas filhas e um filho com Kilango (foto #4).
Como tem filhos pequenos e passa bastante tempo em casa, Aziza tem papel fundamental em cuidar do galinheiro que fica em seu quintal.
Kilango (foto #3) é um muçulmano influente que muitas vezes chamamos de sheik não sei se porque ele é mesmo um sheik ou se só para provocar. Kilango tem um grande plot de terras em Kwak e normalmente colhe uma quantidade sigificativa de milho, sendo um dos poucos agricultores que utilizam um trator para preparar a terra. Entretanto trator não faz chover e por isso (além do fato de ter muitas bocas para alimentar) Kilango encarou um período bem difícil de fome este ano, sem ter como alimentar suas famílias.
A barriga charmosa de Kilango mostra que ele não trabalha tanto com a enxada, mas sua curiosidade e vontade de aprender e saber sobre tudo tornam Kilango um parceiro super divertido e polêmico. Dois de seus mais recentes temas favoritos para discussão são o imperialismo norte-americano e o casamento gay. E por incrível que possa parecer ele tem mente aberta e bons argumentos para ambos os temas. Nunca vou esquecer a expressão de Kilango no dia em que contei a ele que temos indígenas no Brasil que vivem sem roupa :)
domingo, 12 de maio de 2013
Apresentando: Raimond
Raimond é o espírito jovem do
nosso grupo. Um homem bonito pelo qual nossas coordenadoras de projeto sempre
suspiram e que liderou do telhado a construção dos galinheiros.
Raimond é casado com Mama Godi e tem dois
filhos, Godi (motivo pelo qual Blandina é chamada Mama Godi) e Justine. O jovem casal cozinha junto e incrementa sua receita
com um mgahawa, restaurante local em
frente à sua casa, desde que a fome apertou e as lavouras secaram.
O novo sonho de Raimond é ganhar dinheiro
suficiente com a venda de ovos para construir um cercado para sua casa, no
estilo dos nossos galinheiros, e manter suas galinhas locais, patos e cabras
protegidos.
Raimond fez meus dias mais felizes ao
construir os galinheiros vestindo uma camisa do Brasil. Isto e um dia de chuva, em que eu cantava e dançava sob os pingos, fez com que terminássemos os galinheiros ao som de samba - e já planejamos comemorar os omeletes com muita música brasileira.
sábado, 11 de maio de 2013
Apresentando: Mama Gila
Mama Gila: mulher engraçada que é dona de
um dos botecos locais. Mama Gila vende pombe,
cachaça tanzaniana, tanto em teor alcoólico normal (forte) como a extra forte
(puro álcool), que é proibida por lei por causar intoxicação. Seu bar lhe
garante sustento enquanto ela cuida dos netos – as meninas têm filhos bem cedo
por aqui.
Mama Gila é a tesoureira do grupo,
responsável por tomar conta do dinheiro e dos equipamentos. Habituada a lidar
com dinheiro e homens bébados ela não tem medo de dizer não e mantém os bens do grupo seguros e
organizados.
No dia da foto, Mama Gila surgiu com um pano
cobrindo a cabeça, mais baixo na testa que o normal. Quando perguntei o que
havia acontecido ouvi que ela tinha caído, para mais tarde descobrir que Baba
Gila, seu marido, havia batido nela.
Violência doméstica não é cotidiana por aqui
e essa constatação me fez tristemente passar a cumprimentar Baba Gila com
frieza.
Mama Gila é a pessoa mais rápida que já vi fazendo chapati! (uma espécie de panqueca de farinha, água e fermento).
Mama Gila é a pessoa mais rápida que já vi fazendo chapati! (uma espécie de panqueca de farinha, água e fermento).
sexta-feira, 10 de maio de 2013
Apresentando: Mama Mwaka
Mama Mwaka: a pessoa que eu queria casar
com Mzee Rubeni é uma mulher forte que carrega árvores na cabeça e deixa todos
os homens boquiabertos com o tamanho de seus braços e as garras que são seus
pés. No entanto, quando abre o sorriso, se torna uma mãe doce que cuida de si mesma
e que honra seus compromissos sem nunca deixar de ser carinhosa.
Mama Mwaka vive na menor de todas as casas
do grupo, um quarto e cozinha de pau-a-pique que fica recuada da estrada e tem
uma árvore onde deitamos à sombra para descansar dos dias de trabalho e para
comer nossas refeições com as mãos.
No auge da fome em Kwak, em janeiro deste
ano, Mama Mwaka cozinhou por vários dias para o Sam, para nossos coordenadores
de projeto e para mim. O acordo era que eu pagaria pela comida, mas quando o
momento chegou vi uma Mama Mwaka brava, que se recusou a aceitar o meu dinheiro
e disse que eu era sua família e família não paga para comer em sua casa – e
não adiantou argumentar que a “família” havia trazido 14 outras bocas para seu
tapete.
Mama Mwaka dizia no começo que comida para
ela era ugali (pasta de milho com água, tradicional da região) e me fez muito
feliz quando finalmente passou a ter sua boca salivando com a perspectiva de
omeletes.
quarta-feira, 8 de maio de 2013
Apresentando: Mzee Adamu
Mzee Adamu: os dentes que lhe faltam na
boca lhe dão um olhar sisudo que dura apenas até ele abrir o sorriso e se
encher de orgulho de seu galinheiro, de sua horta e da futura floresta que está
crescendo em seu quintal.
Mzee Adamu é bravo, ninguém mexe com ele, e
vindo das montanhas de Lushoto entende um pouco de cultivo de vegetais – mais
de uma vez eu comprei suas berinjelas. E sonha em ver uma Kwakiliga verde, cheia de árvores, então cuida de cada mudinha ao redor de sua casa.
Mzee Adamu tem cabras muito bem cuidadas e
é bem jeitoso em carpintaria. Ele e sua esposa, Mama Adamu, guardam os segredos
da tradicional culinária sambaa (sua
tribo) e mesmo em períodos de fome têm frutas e vegetais secos escondidos em
algum lugar dentro de casa.
Mama Adamu cozinha a melhor bada da região (pasta de mandioca com água).
Há dias que eu não sei o que estou fazendo aqui. Hoje não é um deles!
Depois de 15 dias sem supervisão logo após receberem as primeiras galinhas, nossos parceiros em Kwakiliga provaram que estavam prontos para a responsabilidade:
- Todas as galinhas sobreviveram e são provavelmente as galinhas mais saudáveis (e felizes!) da região;
- As 106 mudas de árvores que eu deixei em Kwak antes de viajar foram plantadas e as árvores estão grandes e saudáveis;
- A comida está sendo administrada corretamente, incluindo o aumento da quantidade conforme as galinhas crescem;
- Apesar de três galinhas terem ficado doentes, elas foram medicadas imediatamente e separadas das demais e todas se recuperaram plenamente;
- Ninguém está entrando no galinheiro sem os sapatos corretos - doenças não estão sendo carregadas para dentro;
- Nosso network está super engajado! Babu, nosso parceiro em Magoma e líder da iniciativa de reflorestamento, plantou as árvores com nossos parceiros em Kwak e tem supervisionado seu crescimento.
Números:
3 galinheiros + 101 galinhas + 6 meses de comida para galinhas + 6 meses de remédios para galinhas + 106 árvores + arroz e feijão para os dias de trabalho + treinamentos = US$3,300 (dos quais já arrecadamos US$1,100).
Meu objetivo é arrecadar R$4.000,00.
Todos os contribuintes receberão, como sempre, atualizações sobre o andamento do projeto e um relatório financeiro explicando como o dinheiro foi gasto.
Nos ajudem a transformar sonhos em omeletes!
Para contribuir:
Pelo site da 2Seeds é possível contribuir via PayPal ou cartão de crédito:
http://www.2seeds.org/donate/
Não se esqueça de especificar que a doação se destina a Kwakiliga.
Para depósito em conta-corrente continuo usando minha conta pessoal no Brasil e transferindo o dinheiro para a organização (postarei os comprovantes):
Banco Itaú
Agência 0192
C/C 18513-0
Ana Alexandrina Rocha
CPF 115.069.598-65
Não se esqueça de especificar que a doação se destina a Kwakiliga.
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